A canela por João Reboredo – Parte I

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Já escrevi sobre o açafrão. O que hoje lhes deixo é sobre uma das especiarias mais utilizadas na culinária portuguesa – lembremo-nos do arroz doce e dos pastéis de nata: a canela.
Tem sido usada em  doces ou salgados, até com exagero, especialmente no período a seguir à chegada dos portugueses ao oriente.
Dos primeiros livros de cozinha publicados em Portugal, e refiro “A Arte da Cozinha” de Domingos Rodrigues, Mestre de Cozinha de sua Majestade, que acompanhou a Família Real quando esta desembarcou no Rio de Janeiro em 1808, ressalta ampla utilização de especiarias e de entre elas a canela.
Por razões de espaço divido a prosa em dois tempos. O primeiro vai até à “nossa” chegada ao Oriente.
A canela do comércio é a casca de uma pequena árvore, a caneleira, indígena do Ceilão (hoje SriLanka), no Indostão, na Cochinchina e em algumas pequenas ilhas do arquipélago malaio.
Aparece também designada, entre os escritores da antiguidade por cassia e cinamomo,palavra que tem sido interpretada como amomo da China; os Árabes chamavam-lhe darsin, que significa “pau da China”.
A primeira canela conhecida terá sido a da China, donde já era importada na antiguidade e utilizada por Fenícios, Hebreus, Gregos e Romanos.
Conta-se que o imperador Nero, depois de matar, com um pontapé, sua esposa Pompeia, tomado de remorsos, ordenou a construção de uma enorme pira para cremá-la. Nela foi queimada uma quantidade de canela equivalente ao consumo anual de Roma.
No Livro dos Provérbios da Sagrada Escritura, por muitos atribuído a Salomão, no versículo “As Seduções da Adúltera”, é feita a seguinte referência à canela:

“Adornei a minha cama com cobertas com colchas bordadas de linho do Egipto
Perfumei o meu leito corn mirra, aloés e cinamomo.
Vem! Embriaguemo-nos de amor até o amanhecer (…) “.

Trazida pelos juncos chineses que vinham a Ormuz, à Arábia ou ao Malabar, a canela era levada pelos Árabes para os portos do Mar Vermelho e Mediterrâneo razão pela qual muitas vezes estes aparecem referidos, numa carta do séc. XII, como o seu país produtor.
Abundante nos mercados do Levante, principalmente em Alexandria e Alepo era ali comprada pelos mercadores ocidentais e utilizada na culinária e farmacopeia. A partir do séc. VIII é artigo corrente no Ocidente sendo frequente a sua referência em Itália, França e Inglaterra. As narrações de viagens ao Oriente fornecem-nos as primeiras informações sobre a caneleira: Marco Pólo (séc. XIII) refere-se à canela da China e do Malabar; Batuta (séc.XIV) descreve as plantações de caneleiras no interior da Índia e outros viajantes referem as de Calecut e Ceilão.
Em Portugal a canela encontra-se mencionada nas contas do Rei D. Dinis entre 1278 e 1282 e noutros documentos daquele século e dos seguintes que referenciam a entrada de especiarias no nosso país.
Com a descoberta da rota marítima para a Índia por Vasco da Gama, em 1498, os portugueses tornam-se os senhores do comércio marítimo da Ásia.

João Reboredo
joaoreboredo@gmail.com