«Um rei na manga de Hitler» de José Goulão

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Com o subtítulo de «Conspiração em Lisboa», este livro é a estreia de José Goulão (n.1950) no romance depois do ensaio «Pagadores de Crises» em 2010. O ponto de partida é o manuscrito de Jaime Simão (n.1917) com data de 31-12-1959 e revelado 50 anos depois: «Tenho 42 anos e a vida já me deu razões suficientes para deixar de acreditar que vale a pena viver neste país». Jaime Simão era em 1940 contínuo numa empresa de Lisboa mas candidato a jornalista depois de algumas experiências em Espanha, com uma entrevista a Garcia Lorca. Virgínia, sua chefe na empresa, adverte-o: «jornalista numa sociedade destas que só quer saber de propaganda e esconde a verdade das pessoas?» A guerra de 1939-1945 está na vida de todos e é comentada: «Há directores ingleses na Shell muito preocupados com o Franco. Dizem que ele já não pode mais ouvir o Salazar falar dos compromisso da aliança de Portugal com a Inglaterra e que pode até passar-lhe pela cabeça atacar Portugal para ajudar os Alemães».  O duque de Windsor é o centro da futura paz entre a Inglaterra e a Alemanha: «Tanto se diz que os alemães querem raptar o ex-rei Eduardo VIII, agora duque de Windsor, como se admite que ele mesmo está disposta a fazer o papel por ter simpatias nazis». Dito de outra maneira: «Os nazis querem usar o duque de Windsor devolvendo-o ao trono de Inglaterra». O embaixador alemão em Lisboa afirma «o duque de Windsor há-de ser o nosso primeiro presidente da República da Grã-Bretanha». A narrativa funciona a duas velocidades (1940-2010) com 70 anos de diferença. O jornalista de hoje vê o seu texto sobre jacarandás em flor recusado por um jovem editor por não ser oportuno «quando o futuro do país se decide todos os dias cêntimo a cêntimo, indicador a indicador, quando temos experientes conselheiros que contribuem para a resolução dos graves problemas da nossa economia». Virgínia tem outra versão sobre a troika: «ficamos com electricidade quatro vezes mais cara, salários menores, pensões mais pequeninas, sem subsídios de férias e de Natal mas parece bem lá fora». Jaime Simão nasceu em 1917 e, não por acaso, a sua vida tem sido até 2010 uma permanente procura da utopia desde a vida triste na aldeia do Mato até aos sonhos da República Espanhola. Do repúdio pela tia portuguesa à juvenil paixão pela intrépida Rosa em Espanha. Mais tarde surgirá uma paixão adulta por Virgínia. O autor vai ao ponto de utilizar hoje palavras algo diferentes para bem mergulhar o leitor no ambiente de 1940. Não por acaso escreve furda por choça, galpão por varanda, piçarra por pedra, gravanada por saraivada, baderna por desordem, suboficiais por subalternos e cura por pároco.
(Editora: Gradiva, Capa: Armando Lopes, Revisão: Helena Ramos)
José do Carmo Francisco