Ana Jorge diz que criação do CHO não trouxe vantagens do ponto de vista da gestão clínica

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A médica e ex-ministra da Saúde, Ana Jorge, diz que a fusão do Centro Hospitalar do Oeste é “contranatura” e sem vantagens do ponto de vista da gestão clínica. A antiga ministra de Sócrates esteve nas Caldas no passado dia 4 de Abril para falar do Serviço Nacional de Saúde (SNS), a convite da concelhia socialista e no âmbito das comemorações dos 40 anos do 25 de Abril.

“Esta zona era das mais difíceis para a fusão”, disse a ex-ministra sobre a junção dos hospitais das Caldas da Rainha, Torres Vedras e Peniche no Centro Hospitalar do Oeste (CHO). A ex-governante, que é da Lourinhã, justifica esta posição com as dificuldades de acesso das pessoas aos equipamentos, ao número insuficiente de profissionais e ao facto de cada um dos hospitais, por si, já ter problemas.
“O hospital das Caldas precisava de uma ampliação e o de Torres Vedras não é uma boa estrutura, pois funciona no velho equipamento da Misericórdia e não tem espaço para crescer”, disse, acrescentando, que a fusão foi feita tendo por base uma lógica economicista, não se salvaguardando as especificidades de cada uma das zonas.
Ana Jorge considera que se fosse feito um hospital novo para o Oeste, as pessoas ficavam motivadas para ir ao novo equipamento e seria mais fácil de aceitar a distância e os constrangimentos. À Gazeta das Caldas disse que, “provavelmente, faria mais sentido não ser um centro hospitalar mas um agrupamento de hospitais que, progressivamente, começam a trabalhar em conjunto e depois fundem-se naturalmente”. Já uma fusão obrigatória é, na sua opinião, um “trabalho árduo” que necessita de um esforço conjunto das instituições.
A ex-ministra diz que conhece os elementos do Conselho de Administração do CHO e compreende as dificuldades que sentem por causa deste processo, em que tentam “gerir o ingerível, que são as sensibilidades de cada instituição”.
Disse ainda que faz sentido fechar camas de hospitais de agudos, mas com a alternativa de haver cuidados continuados. “Provavelmente, muitos dos doentes que estão em espera nas Caldas podiam estar noutro local, como em Peniche, onde era suposto fazer uma unidade de convalescença, mas não foi para a frente”, referiu, adiantando que esta devia ser administrada por uma entidade autónoma, como por exemplo uma IPSS com acordo de prestação de serviços à Administração Regional de Saúde.

EM DEFESA DO PÚBLICO

Ana Jorge licenciou-se em medicina em 1973 e começou a trabalhar antes de existir o SNS (criado em 1979). Diz que o direito à saúde está garantido pela existência deste serviço, que veio melhorar a qualidade de vida dos portugueses, permitindo um aumento da esperança de vida e uma diminuição da mortalidade infantil.
Perante uma plateia de cerca de 30 pessoas, falou dos vários serviços que existem actualmente, e que devem “encaixar” uns nos outros, como é o caso dos cuidados primários, os hospitalares e os continuados. Para além disso, o SNS “assenta muito na diferenciação dos seus profissionais”, disse, acrescentando que estes são reconhecidos no estrangeiro. No entanto, advertiu que é preciso continuar a apostar numa formação de qualidade e que as alterações que o governo pretende implementar – de alteração do regime de internato médico – pode pôr em risco a qualidade dos serviços no futuro.
Ana Jorge defendeu ainda que o SNS tem que se adaptar aos tempos actuais, com uma aposta forte na prevenção e a incorporação nos serviços de novas tecnologias de diagnóstico e intervenção terapêutica. É também necessário, na sua opinião, manter a formação dos profissionais, existir uma maior partilha da saúde entre o poder político e a sociedade, e um fortalecimento dos mecanismos de cidadania e saúde.
Entre os desafios para o século XXI estão ainda a necessidade de reforço dos cuidados de saúde primários, a existência de unidades móveis de saúde, uma maior rede de cuidados continuados integrados e a modernização da organização hospitalar.
A oradora disse ainda que o SNS tende a ser “diminuto” e a passar grande parte das suas funções para o sector privado. Contudo, alerta que isso leva a que os hospitais fiquem com uma capacidade restrita de intervenção, com a agravante de que é no sector público que se formam os médicos e “este tem que ser forte se queremos, por outro, ter também um bom serviço privado”.
“O SNS deu qualidade de vida às pessoas, é bom que o mantenhamos vivo, mas também é preciso que se saiba reformular”, disse.

Fátima Ferreira
fferreira@gazetadascaldas.pt