Camaradas recordam histórias e vivências do 25 de Abril

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Fd1-convidadosA CDU caldense juntou na passada sexta-feira o economista e ex-eurodeputado Sérgio Ribeiro, o cantautor Manuel Freire, o artista plástico José Santa-Bárbara e o actor José Carlos Faria, para uma conversa sobre os 40 anos do 25 de Abril, que teve lugar na biblioteca municipal.
O resultado foram cerca de três horas de partilha de histórias e vivências, onde não faltou a boa disposição, mas também o relato de momentos dramáticos passados por quem vivia na clandestinidade.
Opinião unânime foi a de que, apesar das dificuldades actuais, não é possível comparar os tempos de agora com os do Estado Novo, e que a informação tem um papel importantíssimo no processo da liberdade.

Sérgio Ribeiro estava preso em Caxias no dia 25 de Abril de 1974 e contou que nessa manhã registaram-se alguns episódios estranhos na prisão, como a suspensão do julgamento de elementos da ARA (Acção Revolucionária Armada) e a proibição dos presos irem ao recreio.
Da sua janela viu as fileiras da GNR serem reforçadas e, ao início da noite, um carro estacionado próximo apitava-lhes, em código morse uma curta mensagem: revolução foi vitoriosa stop Marcelo caiu stop.
“A noite de 25 para 26 de Abril passei-a acordado e a ver, pela nesga da janela o carro do director da prisão que ali esteve toda a noite”, lembra Sérgio Ribeiro, que viria a ser libertado na madrugada de 27 de Abril.
No dia em que festejava 32 anos (no próprio dia 25 de Abril de 1974), Manuel Freire foi acordado com um telefonema, onde lhe diziam: ouve a rádio. Foi o que fez, e como não percebeu o que se passava, acabou por levar o aparelho consigo para a empresa de metalurgia onde trabalhava, em Ovar. Foi juntando as “peças” e à noite juntou-se com alguns amigos em casa onde ficaram a par dos últimos acontecimentos através da BBC, do Rádio Clube e da RTP.
José Santa-Bárbara foi acordado nessa mesma manhã por um amigo que morava no andar de baixo, num prédio nos Olivais, a dar conta das novidades e a convidá-lo para ir com ele à praça ali perto para se abastecerem e fazer face ao que poderia surgir. Acabaram por ir até à praça para ver o que se passava, e comprovar que a revolução estava em marcha, mas não foi necessário comprar mantimentos.
Já para José Carlos Faria, essa foi a manhã em que se levantou mais cedo durante o período académico em que esteve em Lisboa. Depois de uma noite na Portugália com amigos, que terminou apenas na própria madrugada do 25 de Abril, o actor estava a dormir quando a senhoria da casa onde estava alojado foi chamá-lo porque estava em marcha a revolução.
“Fui para a faculdade das Belas Artes e, de lá, conseguíamos ver a fragata Gago Coutinho que tinha ordens para bombardear o Terreiro do Paço”, lembra o actor caldense, acrescentando que depois foi percorrendo diversos locais da capital para ir percebendo o que se passava.
Os oradores lembraram ainda como era a vida quotidiana no período fascista, o medo e a desconfiança instalada nas pessoas, a licença para se poder usar isqueiro, ou a proibição de manifestações públicas de afecto.

Lutar para manter as conquistas de Abril

Os convidados foram unânimes em considerar que apesar das dificuldades actuais e de alguns perigos que a democracia enfrenta, não é possível comparar a actualidade com o período do Estado Novo, em que se vivia num clima de desconfiança generalizada.
“Agora podemos escolher quem nos representa e, por isso, a luta política e social está noutro plano, no da correlação de forças”, disse Sérgio Ribeiro, destacando que a informação tem um papel importantíssimo em todo este processo.
Também presente no encontro, a juíza Isabel Baptista partilhou com os presentes que, do ponto de vista jurídico, é impossível voltar atrás, dando conta das conquistas alcançadas, sobretudo a nível feminino. Durante o Estado Novo grande parte das profissões, como a de magistrada, eram vetadas às mulheres.
Isabel Baptista defendeu ainda que é necessário que sua geração passe o testemunho, sobretudo aos mais jovens, para “lembrar que a escola pública e o Serviço Nacional de Saúde são conquistas e que é preciso continuar a lutar para que não se volte atrás”.
A noite foi ainda pontuada por pequenas histórias e momentos, alguns deles bastante divertidos, que os participantes quiseram partilhar. A música deu o mote final, com Samuel e Manuel Freire a interpretar temas como “Nem sempre a mesma rima”, “A morte saiu à rua”, de Zeca Afonso, ou ainda “Trova do vento de passa”, de Manuel Alegre.
Foi ao som de “Grândola Vila Morena” que a sessão terminou, com oradores e público a entoar em uníssono a canção que foi escolhida pelo Movimento das Forças Armadas para ser a segunda senha de identificação da revolução dos cravos.

Fátima Ferreira
fferreira@gazetadascaldas.pt