“A criação do Museu Malhoa foi uma peça da afirmação das Caldas como pólo regional e merecedor de reconhecimento nacional”

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2-mesaO Museu Malhoa assinala este ano o 80º aniversário sobre a sua inauguração (que decorreu a 28 de Abril) e no primeiro fim de semana de Setembro, as comemorações incluíram uma conferência do historiador João Serra, a propósito da criação do próprio espaço museológico. O convidado guiou a plateia pelos bastidores da política regional e nacional que conduziram à criação do museu que é hoje considerado “uma marca identitária da cidade”, segundo afirmou o presidente da Câmara, Tinta Ferreira também presente na cerimónia.

Dotar as Caldas de um museu de artes foi uma ideia que surgiu na primeira metade do século XX e que se consolidou em 1930. O historiador João Serra contou que na origem deste projecto está a convicção das elites locais de que havia “uma posição de relevo das Caldas nas artes contemporâneas”.  Em 1929 realizou-se o primeiro salão de artistas caldenses onde se revelaram artistas nos domínios da cerâmica, da escultura e da pintura. É nesta altura também que surge um organismo tutelar sobre o turismo no país e a Caldas da Rainha tinha vários elementos que foram motivo de estudo por uma comissão As suas termas e estâncias balneares eram motivos de atracção e havia ainda a cerâmica que já se destacava a nível nacional e  internacional.

O PAPEL DE ANTÓNIO MONTEZ

Um dos homens que vai ter um importante papel para a fundação do Museu, será António Montez, que nasceu nas Caldas, nos finais do século XIX e tinha frequentado o liceu de Leiria, com toda uma geração de caldenses que viviam na capital de distrito em regime de permanência e que vão ter um papel importante na dinamização das Caldas. Em 1918 Montez era oficial de infantaria e foi designado administrador dos concelhos das Caldas e de Óbidos no período de Sidónio Pais. Com a derrota do sidonismo, foi aposentado compulsivamente em 1919.
Um ano depois é vice-presidente da Associação Comercial e Industrial das Caldas da Rainha, quando o seu presidente era Júlio Lopes, um dos amigos dos tempos do liceu de Leiria. A seguir, António Montez ingressa nos caminhos de ferro, onde foi funcionário até 1939, data em que António Ferro, o ministro da propaganda do Estado Novo, o foi buscar para colaborar com ele em programas da Emissora Nacional. “Passa pelo interior da propaganda e da promoção das terras portuguesas mostrando apetência por esta área”, disse o historiador.
Nessa altura realizam-se nas Caldas da Rainha cinco feiras ligadas à agricultura e à indústria a última das quais desenhada pelo arquitecto Paulino Montez, primo de António Montez, que trouxe à então vila a pintura mais representativa da época.

RIVALIDADE CALDAS-LEIRIA

O certame decorreu  em Agosto de 1927 e teve “uma tal repercussão mediática, com reportagens em vários jornais sobre a qualidade da exposição que se deu um movimento nacional  que o poder local aproveitou o ensejo para pressionar o poder político para obter o título de cidade às Caldas da Rainha logo no mês seguinte”. Só que  o reconhecimento de uma segunda cidade no distrito de Leiria “significava uma bipolaridade política”, disse João Serra, acrescentando que a rivalidade entre as duas cidades se acentuou a partir de então.
Para a elevação a cidade também contribuiu um conjunto de instituições (Associação Comercial e Industrial, a Misericórdia, o Montepio e os Bombeiros) que funcionam em bloco e que têm uma voz no novel jornal, Gazeta das Caldas. Este designava-se “regionalista” e incluía personalidades como António Montez e o jornalista Luís Teixeira que antes trabalhava no Diário de Noticias.
É é António Montez que contacta José Malhoa, que apesar de ser caldense, há muito que não vivia nas Caldas. Em  1924 oferece-lhe uma publicação da Associação Comercial e Industrial e, numa segunda visita, pede-lhe um quadro. O pintor acede e decide pintar  a Rainha D. Leonor, em 1926 e fá-lo de uma forma “inimaginável para a época dado que escolheu fazê-la muito bonita e de formas opulentas”, comentou o investigador. No ano seguinte foi  constituída a Liga dos Amigos do Museu de José Malhoa e o pintor vai oferecer-lhe mais obras, que serão as primeiras da colecção do museu.
Malhoa era o pintor mais popular da época e Montez percebeu que tinha que tirar partido deste facto: o mais conhecido dos pintores portugueses era caldense e portanto seria o patrono do novo espaço museológico que a cidade tanto desejava desde os anos 20.
O museu instala-se na Casa dos Barcos em 1934 e só funciona entre Abril e Outubro. É também Montez que será o primeiro director do museu quando este abre portas em 1940 no edifício onde ainda hoje se encontra.
Segundo João Serra, o Museu Malhoa é “uma peça da afirmação das Caldas como pólo regional dinâmico e como tal merecedor de reconhecimento nacional”.
O processo de criação do Museu não ficou encerrado em 1934 e os regionalistas só verdadeiramente viram consumados os seus objectivos com a oportunidade que foi oferecida às Caldas da Rainha de receber, em 1940, a Exposição da Província da Estremadura, neste caso substituindo Lisboa, que como capital do país acolhia a Exposição Nacional. A história do Museu Malhoa levada até aos anos 40 “possibilita que se faça luz sobre a história política, isto é, sobre a história das relações tecidas no final dos anos 30 em volta da criação das províncias administrativas, da extinção dos distritos e do processo de aproximação e integração das Caldas no que hoje designamos por área metropolitana de Lisboa”.
Presentes nesta sessão estiveram responsáveis da direcção do museu, da Liga dos Amigos e da Câmara Municipal. O presidente Tinta Ferreira referiu-se ao museu como “uma marca identitária da cidade”. A conferência foi antecedida por um concerto a quatro mãos por Maria Vieira e Inês Gomes.

Natacha Narciso
nnarciso@gazetadascaldas.pt

 

Coro masculino britânico actua hoje no Malhoa

Hoje, 19 de Setembro, pelas 21h30, prosseguem as comemorações do aniversário da inauguração do Museu Malhoa, com a actuação  do Coro de Voz Masculina “Hart Male Voice Choir”, do Reino Unido que se encontra em digressão em Portugal. Amanhã, 20 de Setembro decorre uma visita aos museus da Electricidade e de Arte Antiga, em Lisboa, organizada pela Liga dos Amigos do Museu Malhoa, que aliás foi a responsável pelo convite ao historiador João Serra.