Quercus alerta para pressão turística excessiva nas Berlengas

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FD1-BerlengaIlha“O turismo massificado pode colocar em risco a preservação dos valores naturais e levar à perda de estatuto de Reserva da Biosfera das Berlengas”. Quem o diz é a Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza, num alerta lançado no 33º aniversário da criação da Reserva Natural das Berlengas, assinalado a 3 de Setembro.
Em comunicado, a associação ambientalista salienta as características e os cuidados que ao longo das últimas décadas permitiram tornar o arquipélago composto pelas ilhas Berlenga, Estelas e Farilhões-Forcados numa reserva natural com 9.514 hectares, com particularidades que o tornam num “pólo de biodiversidade único em Portugal”. Mas alerta que “este local continua a apresentar fragilidades que colocam em causa o seu bom estado de conservação”.
A maior preocupação da Quercus prende-se com “a crescente pressão turística”, sobretudo nos meses de Verão, que é “visivelmente excessiva”. Os ambientalistas dizem mesmo existir “fundadas dúvidas de que a legislação relativa à capacidade de carga autorizada, que é de 350 visitantes diários, seja cumprida”. Outra dúvida levantada é se o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas esteja a aplicar os mecanismos de controlo da capacidade de carga humana e se as actividades marítimo-turísticas estão a ser devidamente fiscalizadas.
Para a Quercus, a forte presença humana traduz-se no aumento de efluentes domésticos, verificando-se no Forte de São João Baptista uma descarga directa para o mar, e numa “produção de resíduos evitável com outra lógica comercial ambientalmente mais sustentável”. Além disso, o património ambiental é ainda ameaçado pela “pesca ilegal com recurso ao arrasto e a captura acidental de aves marinhas nas artes de pesca”.
Já fora do âmbito do turismo, mas não menos preocupante, é a possibilidade de vir a ser explorado petróleo em zonas contíguas às Berlengas. De acordo com a Quercus, os trabalhos do consórcio Repsol/Galp/Partex potenciam a existência de eventuais derrames acidentais no futuro.

Modelo de Turismo deve ser repensado

Por tudo isto, a associação defende que o modelo de turismo e acesso ao arquipélago “tem que ser profundamente repensado, sob pena de continuarmos a criar condições para a destruição dos valores naturais”. E entre as medidas a adoptar está a correcta informação dos visitantes do arquipélago assim que estes entrem nas embarcações, bem como a instalação de estruturas interpretativas nas ilhas e no tômbolo de Peniche.
A Quercus diz ainda que “é desejável um aumento da vigilância e da fiscalização das actividades turísticas e piscatórias e a dinamização de acções de sensibilização pública e de Educação Ambiental”, um trabalho que deve ser levado a cabo sobretudo junto dos pescadores e dos operadores marítimo-turísticos “para que se garanta a salvaguarda dos recursos naturais”.
A associação ambientalista diz depositar muitas esperanças no projecto Life Berlengas, que arrancou no passado mês de Junho com o objectivo de tornar aquele local num exemplo de turismo sustentável e desenvolvimento económico responsável. “Um trabalho pouco facilitado dadas as resistências dos interesses locais reforçadas ao longo dos ciclos eleitorais”, aponta a Quercus.

Autarquia também está preocupada

Questionado pela Gazeta das Caldas, o presidente da Câmara de Peniche, António José Correia, ressalva desde logo que “os municípios não têm, desde os tempos do governo socialista, qualquer intervenção na gestão das áreas protegidas, e lamentamos profundamente que assim seja”. O autarca vai ainda mais longe, afirmando mesmo que estas áreas estão, actualmente, “geridas por tecnocratas”.
Quanto à capacidade de carga, António José Correia diz que já alertou a tutela para a necessidade de associar qualquer definição de capacidade de carga a um modelo de gestão sustentável. “Seria muito interessante perceber-se quais as licenças atribuídas a operadores marítimo-turísticos até à altura em que os municípios deixaram de intervir na gestão e quais as atribuídas desde então”, diz o autarca, sublinhando que, se por um lado “a Câmara Municipal não é tida nem achada nos licenciamentos”, por outro “não há qualquer interligação entre o Turismo de Portugal e a gestão da área protegida”. Uma articulação que, para bem das Berlengas, deveria verificar-se também “entre as entidades fiscalizadoras”.
Admitindo que estas questões são também motivo de preocupação para a autarquia, o presidente diz que a Câmara “tem intervindo na melhoria das condições, agora não pode fazer nada quando nos foram retiradas competências”.
Relativamente ao projecto Life Berlengas, a autarquia de Peniche é um dos parceiros. Por isso, António José Correia acredita que esta é “a oportunidade que existe para poder ser definido um modelo de gestão inclusivo”.
Gazeta das Caldas pediu ainda reacção do ICNF aos alertas lançados pela Quercus, mas não obteve resposta até à hora de fecho desta edição.

Joana Fialho
jfialho@gazetadascaldas.pt