Irene Fernandes tem 101 anos e foi “a modista dos senhores doutores”

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1-IreneSofaChama-se Irene Lérias Fernandes e completou o seu 101º aniversário no passado mês de Junho. Mora nas Caldas desde 1935 onde foi modista, na época em que as costureiras trabalhavam em casa dos patrões.
Hoje ainda conversa sobre as memórias que guarda sobre o trabalho e algum lazer (pouco). E conta que ainda gosta de passear e ir ao café regularmente com a sua filha, de 75 anos, com quem vive.

“Nasci em Caxias e fui baptizada em Oeiras”. Assim começa a viagem de Irene Fernandes, de 101 anos, ao contar-nos a história de uma vida que nunca foi fácil. Para preencher algumas lacunas da memória, Gazeta das Caldas contou com a ajuda da filha, Maria Eugénia Fernandes, de 75 anos, com quem vive.
Tendo enviuvado ainda muito jovem, Irene Fernandes veio viver para as Caldas em 1935 onde tinha familiares seus e do seu falecido marido. Não voltou a casar.
A sua vida não foi fácil. Nas Caldas viveu primeiro na Rua da Electricidade, depois no Bairro da Ponte, na Rua Vicente Paramos e mais tarde na Travessa do Borralho. Hoje reside na Rua José Filipe Neto Rebelo. A sua profissão foi a de modista, tal como a sua mãe tinha sido.
Só que na época não havia pronto a vestir e por isso Irene Fernandes fazia os trabalhos de costura nas casas dos patrões. Diz que aprendeu sozinha muitas tarefas ligadas à costura.
A modista trabalhou “nas casas do Dr. Artur Maldonado Freitas e do Dr. Jales” onde fazia de tudo: “vestidos para as senhoras, trabalhos de alfaiate para os senhores, fatos de macaco para o trabalho, cortinados, panos da cozinha… enfim… fazia tudo o que era preciso para eles e para a casa”, contou Irene Fernandes recordando que tinha uma máquina de costura da marca  Oliva que funcionava a pedal.

Os vestidos para os bailes do Lisbonense
e do Casino

Das peças que mais gostava de costurar, eram os vestidos. Nas épocas dos bailes do Lisbonense e do Casino, Irene Fernandes fazia para a sua filha Geninha um vestido para cada um dos quatros dias de baile. Recorda que gostava de os fazer acima do joelho e que era a própria filha que pedia à mão “para os descer um pouco” já que eram demasiado audazes para a época.
Uma das alegrias da sua vida era cantar. “E cantava muito bem!”, disse a filha Maria Eugénia, que se lembra de ser pequena e de ver como a mãe saia emocionada do Teatro Pinheiro Chagas depois de ter visto filmes com a Amália Rodrigues. E no pouco tempo livre que o trabalho de modista deixava ter, Irene Fernandes passeava no parque D. Carlos I e andava sempre a cantar. Era algo que gostava muito e que ensinava às filhas dos seus patrões. Havia mesmo quem dissesse que Irene parecia a a Amália a cantar. No entanto, apesar de em pequenina ter sonhado em ser cantora, os seus pais não lho permitiram.

“Como pouco…
sopa e fruta”

E qual é o segredo desta longevidade? “Como muito pouco. Um pouquinho de sopa e alguma fruta. E é quanto basta…”, conta a centenária que no entanto não dispensa umas bolachas que compra na mercearia da sua rua, na José Filipe Neto Rebelo.
Quando está em casa Irene diz que gosta de ver televisão mas são muitas as vezes que a própria pede à filha Geninha para caminhar um pouco. Maria Eugénia confirma: “passeamos pela cidade para a minha mãe se poder distrair”.
Mãe e filha vão regularmente ao café. Ao Central, à Venézia, ao Dominó e à pastelaria Paris. É, aliás, nos cafés que convivem com as visitas de amigos de Lisboa que regularmente vêm às Caldas.
Questionada se sente mais caldense ou lisboeta, Irene Fernandes diz que já tem as Caldas no coração “porque moro cá há muitos mais anos”.
E então como é que está a sua saúde? “Mais ou menos…”, diz a centenária, que para além de alguns problemas de audição, diz que “vai andando” . A sua filha acrescenta de seguida: “o nosso médico de família, o Dr. Zé Paulo Diogo, até chama a minha mãe de Princesa”.
Irene e Geninha receberam a Gazeta das Caldas na sua casa, na sala de estar, povoada de memórias e várias fotografias dos seus familiares. É com muito gosto que mostram as imagens e recordam com emoção aqueles que lhes foram mais chegados.
Agora está na hora da fotografia e Irene pede à filha que vá buscar o vestido azul, o último que ela lhe fez. Para quê? “Porque lhe fica muito bem e é  para ficar mais bonita para a fotografia”, disse a centenária. Geninha fez a vontade à mãe e foi vesti-lo. Aqui fica o retrato para a posteridade.

Natacha Narciso
nnarciso@gazetadascaldas.pt