A agricultura e a restauração são os sectores de actividade onde há mais trabalho não declarado

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ACT2A agricultura e a restauração são os dois sectores onde existe mais trabalho não declarado na zona norte da região Oeste (Alcobaça, Bombarral, Caldas da Rainha, Nazaré, Óbidos e Peniche), embora esta realidade seja transversal a todos os tipos de actividade económica.
Este é um fenómeno também transversal ao nível da dimensão das empresas, desde o pequeno café às grandes empresas agrícolas que facturam milhões.
Segundo Vítor Bento, director do Centro Local do Oeste (CLO) da ACT (Autoridade para as Condições de Trabalho), o trabalho não declarado é “uma relação de trabalho que se estabelece entre o empregador e o trabalhador que fica completamente clandestina”, ou seja, sem qualquer documento que estabeleça essa relação e sem descontos à Segurança Social ou para a administração fiscal. Isto faz também com que não sejam “salvaguardados os direitos dos trabalhadores e os deveres do empregador para com o Estado”, referiu este responsável à Gazeta das Caldas.
“É um fenómeno que está a alastrar muito. Parece que passamos de um momento para o outro em que a regra era a existência de um contrato de trabalho e a excepção era a prestação de serviços, e agora parece que a regra é a prestação de serviços ou o trabalho não declarado”, alertou.
A Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) está a desenvolver este ano uma campanha de âmbito nacional contra o trabalho não declarado, um fenómeno que tem vindo a crescer muito em Portugal.
No ano passado a detectou a nível nacional 1939 trabalhadores sem contrato de trabalho, mais 73,4% do que no ano anterior. Estes trabalhadores ilegais representam só para a Segurança Social um prejuízo de 4,5 milhões de euros.
Vítor Bento salienta que para além de prejudicarem o Estado, os empresários que recorrem a este expediente estão também a pôr em causa a sã concorrência entre as empresas, uma vez que aquelas que cumprem os seus deveres acabam por ter maiores despesas.
De acordo com os dados da ACT, o trabalho não declarado em Portugal representava cerca de 19,4% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2013, acima da média europeia que é de 18,4%.
A campanha está a ser feita em conjunto com vários parceiros institucionais e sociais, como é o caso do Alto Comissariado para as Migrações, do IEFP e do SEF, para além das confederações patronais e das centrais sindicais.
O ACT desenvolve acções inspectivas, mas a campanha tem também uma vertente pedagógica, com acções de sensibilização por todo o país. No Oeste Norte estão previstas três acções até ao final do ano, uma delas em conjunto com a associação comercial das Caldas.
Recentemente houve uma alteração legislativa que obriga a que as empresas onde seja detectado trabalho não declarado tenha que regularizar a situação para com o Estado e os trabalhadores até aos seis meses anteriores, independentemente da duração dessa relação.
O balanço nacional desta campanha só será feito no final do ano, mas o director do CLO avançou que desenvolveram cerca de 20 acções inspectivas. “Pretendemos fazer mais até ao final do ano”, referiu.

Apanha da fruta sob fiscalização

De acordo com Vítor Bento, na agricultura sempre houve muito trabalho não declarado, principalmente em grandes campanhas como a apanha de fruta por causa do seu carácter sazonal.
No entanto, a apanha da fruta “configura um verdadeiro contrato de trabalho” e por isso tem sido também uma preocupação da ACT. Até porque é uma forma do empregador salvaguardar as questões de segurança e saúde desses trabalhadores.
O director do CLO salienta que a lei já prevê os contratos de curta duração, até mesmo por um dia. Estes contratos podem ser feitos rapidamente através da Internet.
Na restauração é durante o período de Verão que há um grande aumento do trabalho não declarado, principalmente no litoral. Durante a época alta “em cada acção inspectiva que fazemos, em cada três trabalhadores dois não estão legais”, avançou Vítor Bento.
Na maioria das situações detectadas, este trabalho não declarado é uma imposição dos empregadores, mas há também casos em que existe um conluio com os próprios trabalhadores (que estão a receber subsídio de desemprego, por exemplo).
Segundo Vítor Bento, no sector da construção civil nunca houve muito trabalho não declarado. Na sua opinião, este é um sector que já começou a recuperar da grave crise que ultrapassou, com obras de reconstrução.
Nas inspecções que têm realizado depararam-se também com o facto do número de trabalhadores estrangeiros (legais e ilegais) ter baixado vertiginosamente. Estes terão passado de 30% para 5% do número total de trabalhadores nestes sectores. O trabalho não declarado “afecta da mesma forma os nacionais e os estrangeiros”.

O trabalho suplementar deve ser remunerado

Na opinião de Vítor Bento, a crise que atravessamos “não degradou tanto as relações laborais como poderíamos pensar”.
As principais áreas de preocupação da ACT continuam a ser as mesmas de antes: o trabalho não declarado, os salários e a segurança e saúde dos trabalhadores. Outra questão premente é a organização do tempo do trabalho. “As empresas recorrem ao trabalho suplementar e não o declaram”, adiantou. “A lei permite que se façam mais horas de trabalho do que aquelas que estão previstas, mas também obriga a que haja uma remuneração específica para essas horas e que depois haja tempos de descanso associados”, explicou.
O Centro Local do Oeste da ACT tem sede em Torres Vedras, abrangendo ainda os concelhos de Alcobaça, Bombarral, Cadaval, Caldas da Rainha, Lourinhã, Mafra, Nazaré, Óbidos, Peniche e Sobral de Monte. Para toda esta região há 10 inspectores ao serviço, mas em algumas acções de fiscalização de maior escala socorrem-se de outros funcionários oriundos de outras regiões.
No entanto, como também só há mais 15 funcionários de apoio ao serviço, muitas vezes os próprios inspectores têm que fazer atendimento ao público.
“O serviço informativo sempre foi muito solicitado pelos cidadãos, mas na situação de crise empresarial é natural que recorram mais”, referiu. O atendimento é feito de segunda a sexta-feira durante todo o dia e existe ainda uma linha de apoio nacional (707228448).
Nas Caldas da Rainha está instalada uma unidade de apoio do CLO, com instalações no edifício do GAT (rua de Camões).

Pedro Antunes

pantunes@gazetadascaldas.pt