Será a bicicleta a solução do futuro para a mobilidade urbana?

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1100_bicicleta-avalon-crest-lUma caldense na Holanda, outro na Bulgária, um alemão nas Caldas e uma caldense nas… Caldas. O que têm em comum? Todos são utilizadores habituais da bicicleta, que utilizam, não nos passeios aos fins-de-semana, mas sim na sua rotina do dia-a-dia. Gazeta das Caldas ouviu as suas experiências.

LUÍS FAVAS – CALDAS DA RAINHA E SÓFIA (BULGÁRIA)
“Mudar a mentalidade das pessoas demora muito mais do que construir ciclovias”

Aprendi a andar por volta dos três anos, mas não tenho memória desse dia. No entanto, lembro-me perfeitamente do primeiro dia que ande
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sozinho, sem rodinhas. Foi à noite, em Faro, na BMX azul da minha irmã. Entre o 5º e o 9º ano usava a bicicleta para ir para a escola. Depois, por comodidade, passei a usá-la apenas ocasionalmente, já que me deslocava de scooter e posteriormente de carro. Mas agora estou de volta a cem por cento e de há um ano e meio para cá uso a bicicleta como principal meio de transporte.
As vantagens são imensas: faz bem ao corpo à mente e ao ambiente, é muito mais barato que andar de carro ou de transportes públicos e, de maneira geral, é significativamente mais rápido.
As Caldas, tal como todas as cidades, é capaz de se adaptar às bicicletas. A grande questão é: será que os caldenses estão preparados? Mudar a mentalidade das pessoas demora muito mais do que construir ciclovias. E enquanto vivermos numa cidade em que a grande maioria dos automobilistas não respeita as bicicletas ou não sabe lidar com elas, torna-se difícil ver o número de ciclistas aumentar na cidade.
Por motivos profissionais vim para Sofia, Bulgária. Estive a estagiar de Janeiro a Julho e depois fui convidado a ficar. Aqui o número de pessoas a andar de bicicleta é grande, geralmente com bicicletas de montanha. Normalmente os búlgaros andam no passeio porque, segundo eles, a estrada é para os carros e não se sentem seguros a andar lá. A cidade de Sofia tem algumas ciclovias, mas tal como em tantas outras cidades, são mais perigosas do que a estrada.
A ciclovia da estrada da Foz é mais um exemplo disso mesmo, visto que, quando chove, fica cheia de areia e bocados de árvores. Assim, uso a ciclovia nas subidas, em que a velocidade é menor, mas para descer vou pela estrada. Ao contrário das outras cidades que vão construindo ciclovias ou vão tornando as ruas mais simpáticas para as bicicletas, as Caldas navega em sentido contrário ao trocar alcatrão por paralelepípedos, pessoalmente, mudaria apenas isso.

DORA MENDES – CALDAS DA RAINHA
“Confesso que prefiro mil vezes não fazer a viagem de carro”

Desde há quatro anos para cá que uso a bicicleta para me deslocar no dia-a-dia com mais regularidade. Levava até o meu filho numa cadeirinha, mas ele agora está muito grande para isso. No entanto, ainda não é crescido o suficiente para aprender a andar na estrada. Por isso, levo-o à creche de carro porque não fica nas Caldas, e volto até casa, onde deixo o carro para ir a pé ou de bicicleta para o trabalho, no Museu do Hospital e das Caldas. Primeiro porque andar de bicicleta faz-me espairecer.

fotografi5aA viagem de carro é muito fechada. De bicicleta cruzamo-nos com as pessoas, falamos com elas, vemos as montras. Confesso que prefiro mil vezes não fazer a viagem de carro. Depois, porque demoro mais tempo a fazer este trajecto de casa-trabalho se o fizer de automóvel.

As únicas condicionantes são a chuva, ou o facto de querermos transportar alguma carga.
A cidade é perfeitamente plana mas não está preparada para esta opção pela bicicleta.
Na minha opinião, não há estruturas ou incentivos que motivem as pessoas a usar a bicicleta como meio de transporte nas Caldas. Também não era preciso nada de extraordinário, mas a cidade não está preparada. Por exemplo, a ciclovia da estrada da Foz, não começa na cidade – deveria haver uma ligação ao centro. Por outro lado, não tem manutenção, o que torna a sua utilização algo perigosa. E outra coisa que poderia ser melhorada seria dividir um espaço para os peões e outro para as bicicletas, para evitar acidentes. Outra coisa que já notei foi que não há sombras no percurso e que os pontos onde existia água já não estão a funcionar.
Neste momento, não há nada que impeça as pessoas de andar de bicicleta, mas as condições poderiam ser melhoradas. Por exemplo, deveria haver a possibilidade de transportar as bicicletas no Toma, que não sei se é permitido… Fica a sugestão…
Creio também que há que perder a ideia de que a bicicleta está associada ao lazer, para passar a ser vista, também, como um meio de transporte.
Já existem bicicletas desmontáveis que ficam realmente pequenas e já existem marcas portuguesas que estão a desenvolver roupas que são, simultaneamente, funcionais e estéticas para quem pedala.

 

ANDREAS STREPENICK – FREIBURG (ALEMANHA)
“Acho que muitos portugueses pensam que só os pobres é que andam de bicicleta”

“Em Freiburg há uma boa rede de transportes, tanto rodoviária como ferroviária, e há muitas ciclovias. Da minha casa ao trabalho, todos os meios demoram praticamente o mesmo tempo, o que é bom porque proporciona um leque de escolhas variado. De carro ou bicicleta demoro 15 minutos, de eléctrico demoro 12. O critério é a disposição ou a meteorologia. Mas por vezes, mesmo com chuva, vou a pedalar. Tenho um casaco, umas calças e umas botas à prova de água e se suar, chego ao trabalho e tomo um duche. Na Alemanha as empresas novas que abrem sabem o quão é importante ter empregados satisfeitos e saudáveis e, portanto, têm equipado os locais de trabalho com duches. Outra medida que, lá, influencia a escolha do modo de transporte é que existe uma interdição aos automóveis de circular no centro da cidade. O que abre outra possibilidade, que é levar o carro ou outro meio até um ponto e usar a bicicleta a partir daí. Eu acho que a mobilidade no futuro será isto. No fundo, trata-se da fusão de mais que um modo de transporte.
A bicicleta dá-me liberdade, posso sempre estacionar, dá-me a possibilidade de, no centro, me deslocar livre e rapidamente. Para além disso, andar de bicicleta liberta a minha mente do stress acumulado pela profissão. Ser jornalista exige falar com pessoas constantemente, ao passo que, tirando as vezes que o faço com amigos, quando ando de bicicleta, ando sozinho, não preciso de falar com ninguém.

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As Caldas da Rainha não é um bom sítio para andar de bicicleta mas podia ser, já que a maior parte da cidade é plana. No entanto, está planeada a pensar nos carros. Pessoalmente, creio que o dinheiro gasto a construir estacionamentos, poderia ser investido em ciclovias. Eu venho às Caldas todos os anos desde há 18 anos e, infelizmente, não sinto evolução. Tirando a ciclovia para a Foz do Arelho e a da lagoa de Óbidos, no centro da cidade não houve progressos. E mesmo no número de pessoas, não sinto que haja um aumento significativo de utilizadores da bicicleta. Pessoalmente, tenho pena, porque as Caldas tem condições espectaculares. Não é muito quente nem muito fria, o que permite andar todo o ano de bicicleta. Aqui não chove tanto como na Alemanha.
No meu país a mente dos jovens está a mudar porque têm várias opções. Nas aldeias os jovens ainda utilizam muito o automóvel, mas na cidade já pensam “eu não preciso de carro” e há muitos casais jovens, com filhos, que organizam a sua vida sem ter carro e sem pensar comprar carro.
Acho que muitos portugueses pensam que só os pobres é que andam de bicicleta. Na Alemanha, há 30 anos também era assim. Eram os pobres, as crianças e os idosos. As mentalidades demoram a alterar e também precisam de um apoio do Estado na construção de melhores infra-estruturas e na adopção de medidas que estimulem a utilização deste meio.
Vejo muitas vantagens em usar a bicicleta: custa menos que um carro, não precisa de gasolina ou gasóleo, não paga impostos nem portagens, nem estacionamento. Contas feitas, poupa-se muito”

Testemunhos recolhidos por
Isaque Vicente
ivicente@gazetadascaldas.pt

 

Joana Sousa – ARNHEM (HOLANDA)
“Senti desde o início necessidade de arranjar uma bicicleta”

Viver em Arnhem, onde estou a fazer Erasmus, foi um desafio diário durante os primeiros dias! Milhares de pessoas deslocam-se pela cidade de bicicleta, o que por vezes torna o estacionamento das mesmas caótico, assim como a simples passagem dos peões.
Uma dJoanaSousaas grandes facilidades que o país tem e, falo em particular da cidade onde vivo, é que todas as pessoas falam inglês… o holandês é “quase a língua secundária”. Aqui encontramos pessoas de todos os cantos do mundo, o que, de certa forma, fez com que me adaptasse mais facilmente.
Senti desde o inicio necessidade de arranjar uma bicicleta para me deslocar na cidade uma vez que toda a gente usa uma para ir às compras, para ir a casa dos amigos, para ir para a escola, etc. Para minha surpresa, a maioria da população não compra bicicletas em primeira mão, mas sim em segunda mão, em sites que a maioria dos estudantes tem acesso ou em feiras semanais. Consegui comprar a minha por 30 euros numa feira junto ao rio de Arnhem. Fiquei super feliz com a minha compra dado que a bicicleta estava em muito bom estado.
A adaptação à bicicleta foi rápida uma vez que consegui colocar o selim todo para baixo, o que fez com que a bicicleta ficasse à minha altura; caso contrário seria impossível andar nela! Para mim é uma prática muito divertida porque me faz sentir mais dentro da cultura, ou seja faz-me encontrar, de certa forma, a sensação de estar em casa!
Como já me habituei a andar de bicicleta de um lado para o outro na cidade e a esta ser o meu “veículo privado”, adorava que pudesse ser possível ter este hábito nas Caldas da Rainha! A meu ver só tem vantagens uma vez que o trânsito não se torna tão caótico, não há grandes problemas de estacionamento, não há problemas de poluição e obriga a população a fazer um pouco de exercício físico!
A meu ver, esta prática não existe na nossa cidade por falta de ciclovias e por nunca ter sido implementado na nossa tradição… Todavia se existir vontade acho que pode ser uma prática muito divertida e relaxante.
Joana Sousa