A propósito dos 50 anos da Escola Secundária Rafafel Bordalo Pinheiro

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A minha relação com a escola começa precisamente em 1963. Chegada às Caldas, entrei na então Escola Comercial e Industrial Bordalo Pinheiro frequentando o que faltava para terminar o 2º ano do Ciclo Preparatório, ainda no edifício antigo. Para quem vem de Lisboa, as Caldas era duma pacatez total e para mim, tão miúda ainda, o descobrir duma cidade de província, um bairro longe de tudo, novos amigos e novas formas de viver, foi muito estranho.
Mas o que me lembro francamente dessa data, era a escola onde me matricularam. E dela a professora Deolinda Ribeiro (das suas mãos de ferro e do campo que adorava) o prof de Matemática (porque era uma tortura para o compreender), o Padre Renato, da Música, a D. Rosa, da Ginástica e a D. Marilde, de Desenho, que nunca me deixou esquecê-la e de quem hoje nutro uma grande ternura. Se eram doutores não sei. Eram os profs que admirava e respeitava nessa fase.
Mas logo se inaugurou a escola nova e do Dr. Sotto Maior não me esqueço. Chamada ao director era uma dor de barriga que passava depressa. Depois da conversinha connosco, a sensação era de alívio. Ele era muito compreensivo e uma pessoa muito afável e educada e eu somente uma miúda irrequieta. Um dia mais tarde, “fardada” como ditavam as regras, passei a minha primeira noite fora de casa: na Igreja Matriz, enregelada no seu velório toda a noite.
Recordo também já na “nova escola” e com muita saudade, o escultor Eduardo Loureiro (que foi seu director durante anos), o prof que foi sem dúvida o responsável de eu ter seguido o caminho das Belas-Artes contra todas as vicissitudes e problemas familiares que me surgiram. Ele nunca desistiu de me motivar e incentivar e também de obrigar a minha mãe a deixar-me ir…
Vinte e cinco anos depois de ter sido sua aluna, e estando a organizar uma exposição no Estoril, deu-me um abraço e conversámos lembrando os meus tempos e os dele na Escola. E vi nele o que para mim era impensável: lágrimas nos olhos de verdadeira comoção. Como poderei esquecer?
Outra professora, a D. Maria Xavier, sofria de alergia ao pó do quadro. A pobre senhora espirrava, assoava-se, caiam-lhas lágrimas.
Mas as aulas que eu mais gostava eram as de Ginástica Rítmica, dadas pela D. Rosa Faria, que depois culminavam em saraus e exibições em dias festivos. Estávamos em 1965 ou 66 e uma professora que punha as suas alunas a movimentarem-se ao som de Mozart ou de Chopin, era algo invulgar. Hoje presto-lhe homenagem.
De outra forma, mas não como menos empenho, tínhamos o grupo do “rancho” (éramos oito) que actuava nas festas populares. Aí, lá íamos rodopiando e mostrando os culotes e as perninhas a quem estivesse perto do palco. No fundo era aquilo que se chama hoje hormonas em crescimento… O que me leva às festas de garagem dos sábados, do Lisbonense todas as épocas festivas (duravam até às 9 da manhã), e ainda a algumas das nossas casas em que as mamãs normalmente estavam na sala ao lado na conversa. Vêm-me à memória o fantástico Baile de Finalistas estilo OpArt com o Shegundo Galarza, o 111, Os Távoras do Bombarral, Zés Maneis, Zés Luises, os Sepulvedas, Silvas, Ruis, Motas, Fragosos, Betos, Tós. Eram todos eles motivos de conversas cúmplices ou de troca de papelinhos nas aulas, onde os professores mais distraídos nem se apercebiam. Nesta altura a segunda-feira de manhã era desejadíssima, principalmente para pôr a conversa em dia!
As Caldas era uma cidade com o coração no parque. E esse coração era também o dos alunos que muitas vezes o desenhavam nas suas árvores. O parque era a fuga às aulas de alguns, e o belo refúgio para todos quer chovesse ou fizesse sol.
Para mim o top era ir para a esplanada com a Pelina, a Clarinha e outros amigos, ouvir o Otis Redding, o Adamo, a Françoise Hardy, ou os fantásticos Beatles com 10 tostões, que só se punham uma vez, ou ainda passear de bata branca, 500 vezes, à volta do lago sem nenhuma finalidade em especial, senão ver se víamos os mocinhos bonitos e namoradeiros também passeando por lá…
Não voltei a entrar na escola de 1968 a 1996. Mas em 1996, quando entrei na escola como professora formadora e subi as escadas centrais que eram interditas na minha época às alunas, senti um estremeço de saudade imensa.

Aida de Sousa Dias