A família Bordalo Pinheiro reuniu-se para comemorar os 50 anos do novo edifício da escola

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responsaveisalternativaNão podia ter corrido melhor a celebração dos 50 anos do edifício da Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro, antes Industrial e Comercial das Caldas da Rainha. Mais de 300 pessoas reuniram-se no designado “novo edifício”, no serão de 27 de Outubro para reviver memórias e reatar conversas que foram interrompidas para muitos durante bastantes anos.
Os discursos tiveram notas afectivas e emotivas, que revelaram uma grande união entre quem faz e quem fez esta instituição. Como disse a actual directora, Maria do Céu Santos, é “sempre bom unir toda a família Bordalo Pinheiro”.

Era grande a emoção à entrada da escola. Homens e mulheres de traje mais cuidado conversavam entre si e aproveitavam para pôr a conversa em dia, neste serão que era de celebração. Havia também alunos do curso de Turismo que serviam aperitivos aos convivas e do curso de Audiovisuais que fotografavam e registavam os momentos mais importantes desta celebração.
Numa banca podiam ver-se os suplementos que a Gazeta das Caldas fez a propósito deste cinquentenário e também pins que assinalam o meio século do edifício inaugurado em 1964 pelas mais altas individualidades do regime de então.
Entretanto, os convivas dirigiram-se ao auditório escolar e e aproveitam para conhecer uma exposição de trabalhos num percurso feito de memórias escolares.
A cerimónia propriamente dita teve início com a leitura, por um aluno, do artigo publicado na Gazeta das Caldas há 50 anos, que noticiava a inauguração do novo edifício. As intervenções da noite foram entrecortadas com homenagens aos professores que leccionavam há 50 anos na escola e houve vários momentos de emoção. Era pela intensidade das palmas que se media o quão eram mais queridos ou recordados os funcionários e professores que estavam naquela época.
Em representação do Conselho Geral Transitório da escola, o professor Manuel Nunes foi o primeiro a usar da palavra. Na sua intervenção relembrou que a constituição do Agrupamento de Escolas Rafael Bordalo Pinheiro, em 2013, resultou da fusão desta escola secundária com o Agrupamento de Escolas de Sª Catarina e que tal aconteceu “por imposição legal” (numa clara alusão a uma medida que teve a oposição do corpo docente da escola caldense e das de Santa Catarina).
Tendo já sido eleita a actual directora e tendo sido elaborado e aprovado o regulamento interno do agrupamento, vive-se agora a fase final deste processo, que é a constituição do Conselho Geral para os próximos quatro anos. Razão pela qual, a presidente do Conselho Geral Transitório em exercício, Manuela Silveira, entende que, “não deve participar em actos oficiais, como este, em virtude de estar ainda a decorrer a constituição do futuro Conselho Geral e o processo da eleição do presidente do mesmo”, explicou Manuel Nunes.
Seguiu-se José Ventura, com um dos discursos mais aplaudidos da noite. A face mais visível da Confraria dos Antigos Alunos conquistou a plateia com o seu discurso emotivo e não burocrático sobre as suas recordações da escola e os encontros anuais que organiza, que ao longo dos últimos anos já reuniram mais de 900 pessoas.

“Uma escola com um ADN muito próprio”

A professora Dulce Soure traçou, de forma breve, a história da escola afirmando que esta “tem um ADN muito próprio, pois nasceu da necessidade da própria cidade que precisava dela”, disse. É que a actual escola Bordalo Pinheiro tem origem em 1884 como Aula de Desenho das Caldas da Rainha, dando resposta às necessidades da produção cerâmica da época.
Da descrição histórica ainda fez parte uma chamada de atenção para o facto da mesma ter tido desde cedo cursos nocturnos. “Esta foi uma conquista que penso que devemos manter”, disse a oradora. Dulce Soure salientou também que em 1887 a escola se associou à Fábrica de Faianças e os alunos tinham aulas de Química nos laboratórios da própria unidade fabril, “algo bastante inovador para a época”.

Cursos profissionais e ensino regular devem coexistir

Num discurso voltado para o futuro da escola, José Pereira da Silva sublinhou a necessidade de autonomia da própria escola e o desafio de esta se manter fiel à tradição, continuando as apostas na formação de adultos e da aprendizagem ao longo da vida. Na sua opinião, é ainda necessário “resistir à ideia do regresso da escola técnica e do liceu pois nada o justifica, até porque a via profissionalizante nada tem a ver com a capacidade dos alunos”. Por isso, os cursos profissionais e o prosseguimento de estudos devem co-existir no mesmo estabelecimento escolar.
O presidente da Câmara, Tinta Ferreira, salientou a importância da Bordalo Pinheiro para as Caldas ao longo dos anos e deixou um recado à nova direcção da Bordalo Pinheiro para que “aposte muito em Sta. Catarina já que esta possui um grande pólo industrial e deve, por isso, envolver-se na comunidade industrial local e também na Benedita”.
Para o edil, que antes foi vereador da Educação, a escola “deveria” desenvolver ali formação que vá para além do actual 9º ano.
À Gazeta das Caldas, no fim da sessão, o presidente especificou que na escola de Sta. Catarina poderiam abrir cursos profissionais a partir do 10º ano e sugere que estes fossem de Técnico de Metalomecânica e Cutelaria. “Seria  uma área de intervenção interessante pois há muitas indústrias que poderiam receber os jovens em prática simulada e no posto de trabalho e assim contribuir para renovar o futuro daquela área”.
No final do seu discurso, Tinta Ferreira afirmou que a cidade também está apostada em valorizar o patrono da escola e em tornar-se também numa cidade de Bordalo.

Empresários devem trabalhar com escolas

José Duarte, responsável da Direcção Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEST) ficou impressionado com o sentimento de união que viu entre os convivas e sublinhou que daqui a uns anos seria importante ter na plateia “empresários que estejam disponíveis a trabalhar em sintonia com a direcção da escola, com a  autarquia e com o ministério”. O representante do Ministério da Educação sublinhou a importância cada vez maior dos cursos vocacionais pois o futuro destas escolas “passará por estas novas ofertas, em ter cada vez mais os alunos dentro das empresas”. Segundo José Duarte, actualmente, “alunos que saem dos curso profissionais para o mercado de trabalho já têm melhores salários do que muitos licenciados deste país”. Uma tónica claramente dissonante da defendida pelo professor Pereira da Silva sobre o futuro daquela escola.
A directora, Maria do Céu Santos, agradeceu a presença de todos “nesta singela e reconhecida homenagem” e afirmou que a escola é “um modelo de instituição transversal” a muitas gerações pois por ela passaram “avós, pais, filhos e netos” em constante interacção com a cidade, a região e as empresas. Recordou também que neste estabelecimento escolar se formaram quadros que “garantiram a excelência do comércio, da indústria e dos serviços da cidade e da região”. A directora referiu ainda “o extraordinário corpo docente que todos os dias se reinventa para dar resposta aos mais variados problemas e desafios, cada vez mais complexos”.
A sua intervenção terminou com a passagem de um filme da RTP sobre as Caldas da Rainha, filmado em 1965.
A festa foi encerrada com a actuação do Coral das Caldas da Rainha, sob a batuta de Joaquim António Silva.

Natacha Narciso
nnarciso@gazetadascaldas.pt

 

Alguns testemunhos

AntonioRabacoMartins“Vínhamos de comboio do Bombarral”

“Andei na Bordalo Pinheiro de 1952 a 1959. Fiz o ciclo preparatório, depois tirei o curso de Ceramista e também frequentei o curso de Serralheiro. Frequentei as antigas instalações junto à [antiga] PSP.
Terminei primeiro o curso de Ceramista e depois ainda andei durante algum tempo no de Serralheiro, mas acabei por ir trabalhar para a empresa do meu pai. Desde essa altura trabalho na Pirotecnia do Bombarral, que é a minha vida.
Naquela altura erámos dezenas de rapazes que vinham de comboio para frequentar as aulas na Bordalo Pinheiro. Uns vinham do sul, como era o meu caso porque vivia no Bombarral, e outros do norte (de Pataias e Fanhais, entre outras localidades).
Normalmente juntávamo-nos todos na mesma carruagem, os oriundos do Bombarral, Óbidos, São Mamede, etc. Havia uma camaradagem tremenda e muitos dos meus amigos do altura tenho reencontrado nos nossos almoços anuais no restaurante ‘A Lareira’.”

António Rabaça Martins, 72 anos, empresário

NataliaAndrade“Foi aqui que aprendi as bases para o curso superior”

“Comecei a estudar na Bordalo Pinheiro ainda nas antigas instalações e passámos para a nova escola quando esta foi inaugurada.
Na altura tinha 15 anos e estava no 5º ano, tendo acabado por ficar na fotografia da inauguração do novo edifício. Ainda frequentei a secção preparatória nas Caldas e depois fui para Lisboa para tirar o curso de Engenharia Química.
Foi aqui que aprendi as bases para o curso que vim a tirar. Os professores eram muito bons e fizeram com que pensasse em tirar um curso superior, o que naquela altura não era normal para uma mulher.
Recordo-me de ter uma turma bastante engraçada e do conservadorismo que existia naquela altura. Lembro-me de ter tido vários castigos da parte do director, que para os tempos de hoje não fazem qualquer sentido porque eram inofensivas. A minha mãe chegou a ser chamada apenas porque eu tinha saído de aula pela janela.
No novo edifício era melhor, por causa da novidade e porque havia melhores condições para a prática desportiva. Eu participava em campeonatos distritais organizados pela Mocidade Portuguesa.
Também passámos a ter mais interacção entre rapazes e raparigas, o que não acontecia na escola antiga.”

Natália Figueiredo Andrade, 65 anos, engenheira química

JoaoBastos“O director foi percebendo a importância do desporto”

“Saí desta escola há 41 anos para ir dar aulas em Lisboa, depois de ter sido professor de Educação Física durante 12 anos.
Antes de vir para as Caldas estive a dar aulas no Algarve, mas como sou de Torres Vedras e a minha mãe estava muito doente, aproveitei a existência de uma vaga na Bordalo Pinheiro para vir para mais perto dela.
Gostei muito de cá estar, porque tive uns alunos fantásticos. Eram jovens com muito amor pelo desporto e pela ginástica. As aulas eram felizes, não era preciso chatear-me com eles porque obedeciam-me.
Também tinham uma boa relação com os meus colegas e com o director da escola, apesar de, por ser um homem de mais idade, não compreender muito bem as questões da Educação Física. O director queria era que eles estudassem, mas pouco a pouco foi percebendo a importância do desporto”.

João Silva Bastos, 85 anos, ex-professor de Educação Física

JoseSantaBarbara“Eu não estava talhado para ser um professor tradicional”

“Fui professor de Desenho nos anos lectivos de 1962/63 e 1963/64. Embora tenha nascido em Lisboa, a minha família é de cá e considero-me também caldense.
Na altura estava a dar aulas no Algarve, mas queria vir para cá, até por causa da cerâmica caldense, e acabou por se proporcionar vir dar aulas para a Bordalo Pinheiro. Ao mesmo tempo dava também aulas no Colégio Ramalho Ortigão.
Passados dois anos acabei por me ligar mais à Secla porque o queria mesmo era trabalhar na cerâmica. Embora também tenha aproveitado a minha passagem pela Bordalo Pinheiro para fazer alguns trabalhos em cerâmica, com o mestre Raínho com quem tive uma boa relação.
Foram bons os tempos que passei nesta escola, mas tive logo a sensação que não estava talhado para ser um professor tradicional e seguir um programa. Era tudo muito conservador.
Já usava barba e acabei por a cortar porque não ficava bem a um professor naquela época”.

José Santa-Bárbara, 78 anos, ex-professor e artista plástico

JorgeAmaro“A escola tinha instalações magníficas”

“Vim para as Caldas dar aulas em 1960, tinha então 26 anos. Fui professor de Contabilidade, Cálculo, Noções de Comércio, Matemática e mais algumas disciplinas.
Estive durante dois anos lectivos no edifício antigo e depois viemos para a nova escola, que na altura tinha instalações magníficas.
Acabei por casar com uma ex-aluna minha, Ana Maria Amaro, mas só começámos a namorar anos depois de ter sido professor dela. Isso também fez com que tivesse uma maior ligação afectiva às Caldas, apesar de ela ser natural da Madeira e ter vindo para esta cidade com os pais. O pai da minha mulher era um graduado da polícia e tinha sido colocado nas Caldas.
Eu, a seguir ao 25 de Abril, fui colocado numa escola em Torres Vedras e onde acabei por me reformar.

Jorge Amaro, 80 anos, ex-professor

RosaRebeloHenriques“Foi muito bom quando a nova escola foi inaugurada”

“Comecei a dar aulas em 1943 (depois de ter estado dois anos na Figueira da Foz) ainda no edifício antigo. Nessa altura as condições eram pavorosas e foi muito bom quando a nova escola foi inaugurada.
Antes disso, as minhas alunas tinham de ter aulas no rés do chão do Palácio Real, onde funcionava o Tribunal que tinha o chão em cimento.
Apesar das dificuldades, sempre conseguimos participar nas competições organizadas pela Mocidade Portuguesa, que era a entidade responsável por esse sector. Ainda fomos a várias provas.
A seguir ao 25 de Abril, como alargaram os quadros de professores, acabei por ficar na escola secundária Raul Proença, onde me reformei em 1993”.

Rosa Rebelo Henriques, 81 anos,
ex-professora de Educação Física

Testemunhos recolhids por:

Pedro Antues
pantunes@gazetadascaldas.pt