«Sem prazo de validade» de José Correia Tavares

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livroJosé Correia Tavares (n.1938) estreou-se com «A flor e o muro» (1962) o que significa já ter 52 anos de percurso poético até este recente «Sem prazo de validade» que integra três livros («Beco do Imaginário», «Como risquei diamantes» e «Travessa da Fantasia») em 152 páginas. O ponto de partida é um poema antigo: «Pardal / recuso-me a emigrar / vou comendo as migalhas / que deixam nas toalhas / enquanto o vendaval / durar». O ponto de chegada é um poema moderno: «Sem dares por isso / passaste duas folhas / E as páginas par e ímpar / que não leste / continham a salvação da tua alma».
No intervalo entre os dois poemas (1963-2009) o livro surge como uma «homenagem à literatura» no sentido da hábil mistura do «estilo» com o «sangue pisado». O sangue pisado aparece no poema «Tinha que ser» («Vivendo em fascículos / (por etapas?) / normalmente a malta / safa-se / mas na confusão / há sempre um filho dum cão / que nos salta ao caminho / E morremos assim / à Joaquim Agostinho») ou no «Autocarro 42»: «Não se lavam os ciganos / ciganas são piolhosas / mas para nós lorquianos / mesmo assim cheiram a rosas. / Cheiram às rosas jasmins / aos cravos na Andaluzia / seus gaiatos querubins / – milagres da poesia». Por sua vez o «estilo» ou a escrita surge nas referências a Pablo Neruda, Eugénio de Andrade, Manuel da Fonseca e Carlos de Oliveira.
Vejamos o primeiro: «Nas condições mais precárias / dominantes incertezas / por tuas mãos perdulárias / arbustos e araucárias / o pão em todas as mesas» em «Revisitar Neruda». Vejamos o segundo em «Para nos deslumbrar»: «Aurora boreal depois da neve / domínio dos últimos ventos / sempre tão glaciais / ressuscitando arde uma rosa / entre o branco e o vermelho / na poesia de Eugénio de Andrade».  Fixemos o terceiro em «Manuel da Fonseca»: «Depois da barba / ficares a olhar para o espelho / porquê / se é sempre um escritor mais velho / que o Poeta vê?» Por fim o quarto em «Micropassagem»: «Ler não / hoje vou rezar passando-a entre os dedos / tua poesia / fio de grainhas / uma das poucas litanioladainhas / por nossalma. / No lá fora / o sol é grande / caem com a calma de suores suaves / as aves não mudáveis / perto sabendo embora / de outras rapinantes refrigério. / E és nem depois nem antes / Inteiro / também em teu rosário / cada uma das partes um mistério».
Como bem assinala o prefácio de Liberto Cruz «a poesia não tem prazo de validade»
(Editora: Húmus, Capa: António Pedro, Prefácio: Liberto Cruz)

José do Carmo Francisco