Quatro testemunhos sobre a Praça da Fruta e a regeneração urbana da cidade

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“Deveriam ter começado pela questão dos parques de estacionamento”

A produtora cultural que trabalha no Teatro da Rainha, contactou com os projectos da regeneração urbana em 2010, quando o Teatro foi parceiro da autarquia na candidatura ao QREN – Mais Centro. Na altura pensou que estes planos iriam “renovar o espaço público com a devolução das praças e largos à população e à circulação pedonal”. Imaginou Caldas um pouco à semelhança de Évora, onde já viveu, e onde tudo se fazia a pé. Nesta e noutras cidade, como Braga, Guimarães, Guarda, foram criados circuitos pedonais “que nos levam à descoberta de praças e largos e lojas que hoje são verdadeiras preciosidades”, disse Ana Pereira, acrescentando que nas Caldas há surpresas para descobrir em edifícios tais como um azulejo de Ferreira da Silva ou da Fábrica Bordalo, ou da Secla.
“Quando começaram as obras do Largo São João de Deus e do Largo da Copa acalentei a esperança de ver aqueles espaços revitalizados, recuperar os edifícios que se estão a desmoronar, pensando, por defeito profissional, que dariam óptimos locais para espectáculos de rua pela intimidade que poderiam criar com as representações”.
E relembra  que no Largo da Copa, nos anos 80,  assistiu a uma actuação do Ballet Gulbenkian e foi “lindíssimo”. Esta foi a primeira decepção de Ana Pereira pois “a obra foi só de requalificação de infra-estruturas, ou seja, água e esgotos”.
Sobre a Praça da Fruta, diz que “as pedras e os bancos geraram uma polémica que, a meu ver, não é muito interessante” pois não a choca o clássico com o contemporâneo desde que “bem articulado”. A produtora de cultura acha que a Praça de República há muito que perdeu “a sua envolvente antiga com a construção das aberrações “modernaças”.
Sobre os bancos gostaria que voltassem os antigos já que a madeira é um material nobre e por isso usado para o conforto. Os novos “posso dizer que me vou sentar, não pelo seu design, mas porque são desconfortáveis!”.
Na sua opinião, os novos toldos dão um colorido que torna a praça alegre mas não ajudam, nesta primeira fase, a encontrar os produtos. Quanto à iluminação, espera que voltem os candeeiros antigos.
Na sua opinião, antes das obras terem começado, deveria ter sido tratada a questão dos parques de estacionamento. “Em Évora a divisão de trânsito estudou e desenhou novos trajectos para os automóveis quando uma parte significativa da cidade passou a ser pedonal”. Para as Caldas deveria ter sido o primeiro passo a dar para as pessoas perderem o hábito de levar o carro até à porta das lojas.
Sobre a futura Rota Bordaliana, Ana Pereira acha que o clássico e o contemporâneo se podem encontrar e dialogar entre si, “mas também com a cidade e com a população”. Defende, por isso, que no percurso bordaliano possam surgir obras contemporâneas que façam sentido, esculturas, cerâmicas ou pinturas.
A obra da Avenida da Independência Nacional não a convence, sobretudo porque não concorda “com o grande parque infantil e com os carros a circular à sua volta”. Pergunta-se se o parque não poderia ter menor dimensão e se não se poderia retirar os carros daquelas vias. Prosseguindo pela Avenida também não acha que a localização da fonte seja a melhor. Ficaria melhor, na sua opinião, uma zona pedonal no eixo Estação, Praça da Fruta, Largo da Copa, Largo João de Deus e Fábrica Bordalo, “com espaços de “respiração” e não de atrofio das praças e dos largos”, rematou.

 

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“Falta modernidade nas obras de regeneração urbana”
Emídio Ferreira, ex-docente de Artes Plásticas  da ESAD e residente nas Caldas há vários anos,  considera que as obras de regeneração urbana são “intelectualmente indigentes” e que lhes “falta fulgor e modernidade”.
Este docente, que leccionou na escola superior das Caldas durante 20 anos, acha que uma pessoa que agora regresse à cidade depois de três anos de ausência “não se apercebe que houve obras pois não há nada que remeta para um ideia de modernidade”.
“É lamentável que numa cidade que tem uma escola de artes onde trabalham os melhores designers nacionais, com trabalho reconhecido internacionalmente, nada tenha que indique que houve um pensamento”, diz.
Emídio Correia acha que poderia ter sido estudada uma solução diferente, à semelhança do que foi feito na Praça do Toural, em Guimarães, onde se realizou uma intervenção contemporânea na calçada da autoria da artista plástica Ana Jota.
“Aqui optou-se por manter o tabuleiro tal e qual como quando foi feito, num remake do passado”. Ao contrário de Guimarães, uma cidade que tem a história no seu ADN e que “nem por isso deixou de inovar”.
Sobre os bancos da praça, o docente acha-os, em termos formais, “objectos minimalistas e sem cor”. Ainda por cima, “quando não há mercado ficam ali, anódinos e parece-me que no Inverno devem ser muito desconfortáveis”.
Quanto à rota bordaliana, diz que “é mais uma ideia intelectualmente indigente pois anda-se sempre à volta do mesmo passado”. Emídio Ferreira considera que a fonte da rã, junto à estação da CP, pode facilmente induzir em erro quem nos visita. “Com certeza que muitos julgarão que é algo que já está ali há pelo menos 50 anos”. Apesar de considerar que a fonte até é esteticamente relevante, esta “não assume a contemporaneidade”.
Emídio Ferreira diz que prossegue o divórcio entre a ESAD e a cidade “com culpas de ambos os lados”. Considera que a Câmara deveria ter perguntado à escola que contributo é que esta quereria dar pois os cursos que ali são leccionados “desenvolvem pensamento sobre a cidade”. O docente de artes plásticas acha mesmo que, sendo as Caldas uma cidade pequena, esta “deveria ser pensada como um campus experimental para a própria ESAD”.

 

MatildeMaisRecenteMATILDE COTO
“Falta uma visão integrada do mobiliário urbano”
Matilde Coto considera que “é muito positivo” que a sua cidade seja objecto de modernização e de requalificação. No que diz respeito ao decurso das obras da regeneração urbana, a ex-directora dos museus Malhoa, da Cerâmica e da Nazaré considera “que foi muito pesado para a cidade que tenham existido tantas obras em tantos pontos essenciais, em simultâneo”, como na Praça 25 de Abril, na Praça da Fruta, na Rainha e também no Largo do Termal.
Em relação à Praça da República, Matilde Coto interroga-se “se não teria sido melhor, em relação ao tabuleiro, apostar num restauro do empedrado do que numa total restauração que trouxe várias interrogações acerca do desenho”. Na sua opinião, concluído o trabalho de reconstrução, “é um alivio e uma satisfação poder usufruir da praça como nós a conhecemos, já que é um elemento identitário da cidade”.
No que diz respeito aos bancos da praça, a ex-directora considera que estes “têm um desenho minimalista, que pode ser interessante noutro espaço”. Colocados na praça, “falta-lhes transparência para poder valorizar o empedrado em calçada portuguesa”. E questiona-se porque razão não foram recolocados os bancos em madeira que sempre estiveram na praça. “São mais humanizados do que aqueles que agora lá foram postos”.
A instalação das novas bancas dá à Praça “um ar mais limpo e mais organizado”. Matilde Coto só não percebe  porque não foi respeitado o traçado da praça, os próprios metros, colocados no empedrado, tal como era a sua função inicial. “Creio que as novas bancas se poderiam adaptar à geometria pré-existente da praça”, reforçou. Também acha que os novos toldos coloridos tapam demais e impedem que, como antes, se pudesse contactar logo à chegada com o colorido das frutas e dos legumes.
Ainda em relação à Praça da República e envolvente, Matilde Coto pergunta por que “numa pequena área há mobiliário urbano tão diferenciado?”. E faz notar que na Rua da Liberdade há um tipo, na Praça da Fruta há outro e na Rua das Montras, outro diferente. “Falta-nos uma visão integrada desses aspecto da cidade”, disse.
Sobre a Rota Bordaliana, Matilde Coto assume-se fã da fonte da rã, localizada junto à estação da CP e diz que a constituição futura desta rota “faz todo o sentido e deve também interligar-se com a valorização do património dos museus da cidade”.

 

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“O facto de algo ser moderno não significa que fica bem em qualquer espaço”
Para o ceramista Mário Reis (que deu o seu testemunho à Gazeta das Caldas por e-mail por se encontrar em Macau), as obras de regeneração urbana não decorreram com os melhores timings já que, por exemplo, na intervenção que decorreu na Praça da Fruta “houve sucessivos atrasos que apanharam a altura do Verão, meses em que é mais visitada”.
Mesmo longe e sem ter tido ainda oportunidade de visitar as intervenções na Praça da Fruta, as fotografias que teve oportunidade de ver, deram-lhe uma visão “agradável” daquela zona da cidade. Também soube das dificuldades que os vendedores tinham para montar os toldos das bancas e afirmou que “é importante que haja alguém com conhecimento a dar esse tipo de apoio aos vendedores”, algo que já está a acontecer actualmente.
Em relação aos bancos, diz que “algo do género dos que lá estavam fazia mais sentido” pois “o facto de algo ser moderno não significa que fica bem em qualquer espaço”.
Sobre a Rota Bordaliana, Mário Reis acha que é do maior interesse que possam surgir as peças de Rafael Bordallo Pinheiro em vários espaços da cidade. “Deverão, no entanto, ter em atenção a fragilidade de alguns modelos, como foi o caso de alguns caracóis que colocaram na avenida em que se percebeu de imediato que não iriam durar muito”.
Este artista gosta da fonte com as rãs no início da Avenida 1º de Maio. “Acho que melhorou muito o espaço e faz uma boa ligação com a arquitectura da estação”, disse.
O artista considera que também a cerâmica contemporânea poderia surgir interligada à cerâmica bordaliana. “Poderia aparecer de várias formas, mas não é obrigatório que assim seja”, disse, acrescentado que as formas de embelezar a cidade que têm sido adoptadas “não são acompanhadas por uma política de promoção e divulgação da cidade que atraia público às Caldas”.
Na sua opinião há também “falta de informação sobre o que existe na cidade, mesmo ao nível de mapas”. E refere, por exemplo, a obra Jardim de Águas, de Ferreira da Silva, junto ao hospital, que não está devidamente sinalizada. “Eu já testemunhei inúmeras vezes os visitantes só encontrarem esse local acidentalmente”, referiu.

Natacha Narciso
nnarciso@gazetadascaldas.pt