Apesar de “nova” a Praça da Fruta resistirá mais uma década assim?

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FD1O tema do mercado diário na praça da fruta tem tantos anos na Gazeta das Caldas como a vida do jornal, ou seja, quase 90 anos. Provavelmente mais, já que só o empedrado da mesma já tem quase 130 anos.
Ter a praça ao ar livre ou construir um mercado fechado, foi durante muito tempo a discussão, havendo sempre muitos que se declaravam por um mercado coberto e que provavelmente teria de ser construído noutro local, e outros defendendo o mercado a céu aberto no mesmo local. Esta segunda argumentação pretendia defender o comércio tradicional do centro da cidade.
Se interrogarem hoje os caldenses, os vendedores no mercado e os compradores que vêm de fora, certamente que encontrarão opiniões bem diversas.
Provavelmente, se tivesse sido construído um mercado fechado nos primeiros anos do século XX (se houvesse dinheiro, é bem certo), por exemplo, em estilo arte nova, enriquecido de azulejos das faianças locais, hoje estar-se-ia a discutir se devia transformar-se num mercado com outros produtos, como está a acontecer em Lisboa (veja-se o êxito da mercado de Campo de Ourique), ou como se fez em Madrid ou Barcelona.

Vendedores na Praça da Fruta nos anos 30 do século passado
Vendedores na Praça da Fruta nos anos 30 do século passado

Optou-se – ou conformaram-se todos – com a inevitabilidade de manter o mercado onde está há mais de um século, com algumas alterações, tanto nos produtos vendidos, como mesmo no tipo de  vendedores ou na forma de vender.
Quem se lembra nos anos 60, quando o turismo mais em massa começou a afluir à capital, que um dos percursos aconselhados era a volta de Óbidos, Alcobaça, Nazaré, Batalha e Fátima, com paragem na Praça da Fruta das Caldas da Rainha, onde milhares de estrangeiros fotografavam aquilo que na época era uma marca da ruralidade apelativa do nosso país e da nossa região?
Muitos dos autocarros estacionavam mesmo junto à Praça ou no Largo do Hospital, para que os visitantes pudessem passear pelo mercado da fruta, olhando ainda para as montras das lojas de cerâmica que preenchiam boa parte da Rua de Camões e da rua da Liberdade, garantindo o funcionamento de uma certa economia local.
Mas também no mercado, além dos géneros alimentícios da agricultura e pecuária de toda a região (quando ainda não havia os sistemas de abastecimento que trazem para as Caldas produtos de mercados nacionais e estrangeiros), havia todo o género de produtos tradicionais, desde a louça das Caldas mais tradicional, como a olaria, a cestaria, a latoaria, as flores, etc.. Também o mercado era frequentado por compradores mais grossistas que faziam as suas aquisições para as levarem para outros centros de consumo, havendo uma regra (se bem me recordo), nem sempre cumprida, de que estes só podiam fazer as aquisições depois do meio dia.
DSC_0047À segunda feira o mercado reforçava-se dado que o mundo rural de Caldas e dos concelhos circunvizinhos reunia-se nas  Caldas para fazer as suas vendas e compras semanais. Os agricultores vendiam os seus produtos ali ou no mercado semanal do gado, que se realizava geralmente na periferia do núcleo urbano, e supriam nas lojas da cidade as suas necessidades para a semana.
Nessa época havia muitos agricultores que recorriam à banca, especialmente ao Banco de Portugal, para descontar letras de crédito a fim de adiantarem gastos mais substanciais, por exemplo, na compra de gado pesado, como bois e vacas. Em redor da praça havia umas quantas pessoas que ajudavam os rurais que não sabiam ler e escrever a preencher as ditas letras, que logo eram descontadas nas instituições bancárias, raras na época.
Nesses tempos, e até aos anos 80, não havia concorrência dos supermercados nem das grandes superfícies, sendo um hábito muito usual, a vinda aos sábado ou ao domingo, de famílias de centros urbanos no perímetro da centena de quilómetros para fazerem as suas compras no mercado das Caldas da Rainha, bem como fazer outras aquisições no comércio local.
Já não me recordo do comércio estar aberto ao domingo, mas tenho bem presente das lojas estarem abertas ao sábado, sendo um dia de grandes transacções, tal como à segunda-feira para os clientes das zonas rurais.
O tempo correu rápido para o mercado e comércio local e talvez nunca se tenha pensado que a realidade ia mudar e que teria sido de bom senso pensar como encarar estas transformações e os novos desafios e oportunidades que se colocam, para além das ameaças que também são muitas.

Finalmente as obras esperadas do séc. XXI

Sem qualquer pensamento estruturado sobre o papel do mercado e desses desafios novos que se colocam no “novo século”, com dinheiros de Bruxelas (sempre os dinheiros dos nossos “amigos” de Bruxelas), surgiu já tarde – porque Caldas da Rainha nunca conseguiu ir aos POLIS – uma mão cheia de euros para fazer as obras de regeneração urbana, que já quase ninguém esperava depois de várias partidas em falso.
Com um projecto voluntarista realizado a conta relógio, sem a preparação e estudo profundo do que se desejava idealmente, os autarcas encontraram uma janela de oportunidade, como se diz hoje, e conseguiram assegurar a vinda de dez milhões de euros para um conjunto de obras, onde se encontrava o arranjo da Praça da Fruta.
Não vamos discutir o projecto, que ficará para outra oportunidade, mas entendemos preferível discutir as novas questões que agora se colocam. Provavelmente, se este trabalho tivesse sido feito antes, outras soluções mais consistentes se teriam encontrado, mas, como dirão outros, certamente assim nunca tinha vindo este dinheiro e nunca se tinha feito nada. Deixemos a resolução deste paradoxo para outros mais inspirados.
Hoje temos um novo empedrado (com a resolução das questões subterrâneas de esgotos e outros abastecimentos), sem que tivessem sido ensaiadas outras alterações mais profundas, incluindo a construção de um estacionamento no subsolo, para o que foram invocadas inúmeras razões. Deixemos para trás a perda desta oportunidade histórica de dar novas acessibilidades ao local, uma vez que não vale a pena “chorar sobre leite derramado”.
Hoje temos uma praça de cara lavada, apesar de ainda faltarem certos adereços inicialmente prometidos e com uma nova logística de utilização dos espaços para venda.
Visto por cima não parece mal, pelo contrário, até tem um colorido bastante agradável a certos dias da semana. Noutros, as manchas de bancas não montadas, criam uma feridas que deslustram o tom geral do mercado.
Depois parece haver uma melhor arrumação e ordenação nos espaços ocupados pelos vendedores, mas não sei se não era uma certa anarquia que dava um certo toque especial e mais genuíno aquele espaço. Provavelmente essa desorganização do espaço, não se compadecia com as actuais exigências de sanidade pública e de organização comercial e fiscal dos pontos de venda.
Mas o novo formato lavado, e de certa forma plastificado, perdeu as características da venda directa do produtor-lavrador ao consumidor, valorizando a normalização de uma nova camada de vendedores mais estruturada e profissionalizada, que antes, mesmo nos anos 60, era minoritária na praça das Caldas.
As bancas parecem-me simpáticas à primeira vista, com todo o seu colorido de novidade, mas ao fim de algum tempo provavelmente irão perder esse brilho. Também não parecem ser muito funcionais, obrigando a um grande esforço diário para alguns, ou obrigando a recorrer ao trabalho de outros para assegurar aquelas tarefas difíceis e pesadas. Dizem os vendedores que esses poucos euros (por muito insignificantes, até para quem monta as barracas) lhes fazem falta, sobretudo em dias de pouco movimento. O tempo que demora a desmontagem obriga a que, em certos dias, às 17h00, ainda a praça esteja em trabalhos de levantamento.
Tivessem seguido as boas (?) práticas de outros países europeus, especialmente França, nestes mercados ao ar livre, e certamente ter-se-iam encontrado outras soluções mais eficientes e rápidas (tempo é dinheiro).
O gasto que muitos têm em trabalho pessoal ou em trabalho realizado por outros, provavelmente justificaria a adesão ao sistema de utilização de pequenas ou médias roulottes em que o espaço de venda vinha pré-montado nuns casos mais sofisticados, e noutros apenas como banca rolante, preparadas para receber coberturas e aquecimento (sim aquecimento, pois no inverno os vendedores são submetidas a condições deploráveis de frio e humidade).
Muitas pessoas mostram o seu agrado pelas alterações havidas, mas as brechas que se verificam aos dias de semana, são um indicador problemático, que deviam gerar um debate sobre o funcionamento futuro do mercado.

O mercado do peixe

E aqui introduzimos outro tema, de certa forma autónomo, mas aconselhável que se olhe para ele: o do mercado do peixe. Recorde-se que no início da vida da praça o peixe da Lagoa de Óbidos e de outros portos vizinhos era vendido também na praça da fruta. Por razões higiénicas para a época foi separado.
Desde há muitos anos que se verifica uma decadência ainda mais problemática deste mercado que em tempos passados funcionou na Praça de 5 de Outubro e que por vicissitudes diversas, quase foi destruído, transformando-o parcialmente num mercado de bugigangas, até que, por razões várias, se decidiu transferi-lo para um ponto próximo da Praça da Fruta, em recinto fechado. Se na altura pareceu uma boa solução, hoje percebe-se que está a definhar ainda mais rapidamente.
Não havendo compradores todos os dias que justifiquem uma oferta variada, aquele espaço vai perdendo a sua vitalidade e a atractabilidade.
Todo o processo recente de obras nas imediações tem prejudicado as vendas e ainda agora, quando não estão concluídas as restantes obras municipais, o mercado durante a semana parece quase deserto e tristonho.
Acho que em colaboração com quem ali vende deviam ser pensadas soluções estruturadas e beneficiando de experiências de sucesso noutros países e que daremos a nossa opinião mais à frente. Mas enfiar a cabeça no chão não é boa solução.

Propostas para o futuro

A Praça da Fruta reiniciou a sua actividade há poucas semanas, aproximava-se a época baixa e mais fria, tendo os sábados sido uma boa surpresa para os vendedores, como dizem. Ao domingo ainda não é o que pode ser, como noutros países acontece, criando outros pontos de atracção, mas ainda estão a tempo de o fazer. A segunda-feira ainda beneficia da vinda da população rural cada vez mais escassa.
Na época alta, dos meses mais primaveris ou de Verão, talvez as questões não sejam tão graves durante a semana, mas quem desistir de vender no Inverno, provavelmente não voltará no Verão.
Em vez de propormos medidas fechadas para as questões mais candentes, vamos deixá-las como perguntas ou alternativas em aberto. Soluções fechadas ou impostas não são adequadas. Algumas destas questões que iremos colocar são fracturantes e vão gerar muita polémica e mesmo sendo difíceis de ultrapassar, podem gerar outras ideias.
Porque não:
Estudar a prazo um novo tipo de banca móvel e rebocável que possa ser instalada no mesmo local das novas bancas, que não estraguem o piso e que possam inclusive obedecer às necessidades requeridas com o tipo e produto da venda e com uma decoração adequada específica?
Estudar pontos de venda mais pequenos e funcionais (actualmente são utilizados chapéus de sol quase às escondidas) que permitam aos pequenos vendedores ocasionais e com produtos genuínos de auto-produção caseira (mesmo de produção urbana) para fazerem a sua venda directa?
Possibilitar aos vendedores de produtos do mar, fazerem as suas vendas no mercado da fruta, em veículos devidamente equipados, incluindo com frio, como se faz no resto do mundo, deslocando-os naturalmente do sítio onde estão?
Encarar a possibilidade de nos dias de semana mais frios e chuvosos o mercado da fruta funcionar no mercado do peixe, para o que teria de ser devidamente reorganizado, adaptado ou alargado?
Criar novos centros de interesse para o mercado, abrindo-o ou reforçando a sua abertura a novas produções mais informais ou de carácter mais contemporâneo, como produtos bio, artesanato, etc.?
Criar (mais) eventos culturais ou recreativos no local da praça ou nas ruas adjacentes?
Interligar mais adequadamente o comércio local tradicional com os produtores e as vendas na Praça da Fruta?
Possibilitar aos comerciantes das ruas adjacentes, se o pretenderem, criar nos espaços fronteiros aos seus estabelecimento, exposições de rua dos seus produtos durante a hora do mercado?
Investir e promover a venda de pratos pré-cozinhados, como se faz noutros países, sabendo que inicialmente é uma proposta arriscada, dada a resistência dos consumidores e das autoridades sanitárias?
Encontrar temáticas modernas e atractivas para captar públicos especializados em dias certos do mês ou da semana?
Apostar em campanhas de publicidade e marketing que criem uma imagem adequada da praça incluindo a criação de embalagens e sacos (eventualmente de papel para evitar a má fama do plástico) que possam ser utilizados no mercado?
Colocação de dísticos de informação sobre a Praça da Fruta com sinalética adequada para facilmente chegar ao local onde ser realiza?
Adaptação inteligente aos objectivos pretendidos de rotatividade dos consumidores no estacionamento em redor da praça?
E mais uma pergunta: quando estão definitivamente concluídas todas as obras em redor da praça nos espaços em reabilitação e que a autarquia pretende que sirvam de apoio ao mercado municipal?
Ficam por colocar muitas outras questões, mas será interessante combater certas ideias feitas que conservadoramente permanecem.
Contudo, o pior que há é não pensar e discutir o problema. Este foi um primeiro pontapé neste momento.
Outros que lhe queiram seguir o exemplo.

JLAS

A corrida das 7 da manhã

Diariamente durante muitos anos os vendedores começavam a chegar à praça de madrugada para se alinharem fora do empredrado para correrem a marcar o melhor metro logo que batia a primeira badalada das 7 horas.
Era uma corrida emocionante para muitos dos agricultores que chegavam a lançar à distância uma saca ou outro apetrecho para registarem a sua escolha.
Os fiscais da autarquia já ali presentes aquela hora verificavam se não havia atropelos ou atitudes menos correctas. A partir daquela hora começavam a cobrar as senhas correspondentes ao espaço ocupados. Só as “contratadeiras”, como se chamavam as vendedoras que não produziam directamente os seus produtos, tinham lugar assegurado.