O cachecol do artista – Manifesto e homenagem

0
495

Há pouco mais de um par de semanas recebi um surpreendente telefonema da Gazeta das Caldas, que trazia em anexo o convite para passar a colaborar periodicamente com o nosso semanário, através de uma pequena crónica. Confesso-me lisonjeado com o convite para integrar um novo painel de cronistas, sobretudo nesta passagem de mais uma década de vida de um título de referência da imprensa regional lusa.
O convite encerra também um desafio, que é o de tornar a actualidade local e regional mais vibrante e com maior interesse para os leitores, com comentários oriundos dos diversos quadrantes políticos locais. Por minha parte, espero que o meu escasso talento esteja à altura das expectativas. Do jornal e dos leitores.
Para epígrafe permanente desta rúbrica decidi respigar um título literário de um escritor que teve passagem pelas Caldas da Rainha, tendo por cá granjeado alguma simpatia, apesar do seu estilo de vida dissoluto, marginalidade assumida e transgressão. Esta escolha foi também influenciada por o convite ter sido acolhido na mesma altura que se passeava pela Europa, e pelos nossos noticiários televisivos, o novo ministro das finanças da Grécia, que ao seu melhor estilo casual chic à Bruce Willis, transformou um acessório de moda no novo ícone revolucionário. O cachecol de Yannis Varoufakis está para esta europa do século XXI, como a boina de Ché Guevara para as lutas de emancipação dos povos, da segunda metade do século XX.
Assim, com esta matriz fundadora que recupera a presença de Luiz Pacheco nas Caldas da Rainha e se aproxima a um novo discurso, de uma construção europeia diferente daquela que nos tem sido imposta como inevitável, espera-se que esta crónica seja suficientemente irreverente, iconoclasta, transgressiva q.b., e inspiradora de outros mundos possíveis. Outros mundos que vão além do cinzentismo quotidiano (alaranjado), impingido como inevitável, como têm sido, por exemplo, as sucessivas maiorias, monocromáticas, do PSD local na nossa autarquia.
Espero ainda que esta pequena crónica venha a ser inclusiva. Que diga alguma coisa aos caldenses no presente e que diga, também, alguma coisa aos caldenses do futuro e para o futuro. Este Cachecol do Artista também deve ser usado pelos jovens estudantes da região, sobretudo por aqueles que vêm de fora procurar a nossa ESAD, onde também passei como aluno. Que os possa resguardar e confortar perante o General Inverno, mascarado de uma qualquer inevitabilidade, que tanta vez lhes assombra o futuro mais imediato.
No intervalo que mediou entre o convite e a publicação desta primeira crónica faleceu o meu camarada e amigo Fernando Rocha. Render-lhe aqui uma pequena homenagem era mesmo uma inevitabilidade. A ele que tanto prezava e respeitava a imprensa local, que tantas vezes povoou intensamente estas páginas, não poderia jamais negar esta referência nesta primeira crónica.
O Rocha, como toda a gente tratava e conhecia, foi um caldense orgulhoso da sua terra. Muitos anos fora, desde os seus tempos de serviço militar em África e depois em Lisboa como funcionário das finanças, fez questão de voltar à sua terra natal na fase da reforma. Ainda trabalhou alguns anos na repartição de finanças do Bombarral, já com residência nas Caldas e foi depois de se reformar que abraçou a intervenção política local com mais intensidade. Desde o 25 de Abril foi um activista sindical, sempre na primeira linha do combate.
Era um homem bom. Com um grande sentido ético e uma revolta à flor da pele para casos de injustiça social. Activo até ao fim, deixa como última obra o “Espaço Abril”, um centro social e cultural autónomo. O futuro deste projecto é incerto. Oxalá alguns amigos se possam encontrar em torno deste ideal colectivo de liberdade.

Lino Romão
linoromao2.0@gmail.com