Dragagem permanente

0
665

Na edição anterior, a Gazeta das Caldas chama à primeira página o encerramento da aberta da Lagoa de Óbidos. É só mais um episódio desta autêntica saga do abre e fecha, entre as forças da natureza e o dinheiro dos contribuintes. Com mais este encerramento fica demonstrada a inutilidade da última intervenção, tendo o mar já reposto as milhares de toneladas de areia que a dragagem retirou da lagoa.
Importa perceber porque é que isto continua a acontecer assim. Desde logo, porque se foram mais um milhão e trezentos mil euros, literalmente, pelo cano (da draga contratada…). O plano em duas fases, então anunciado, não teve a sequência que os técnicos aconselhavam e, à falta da consolidação trazida pela segunda fase, voltou tudo à estaca zero.
Anuncia-se para breve a nova dragagem com um plano de intervenção da ordem dos quatro ou cinco milhões de euros. Há uns anos a segunda fase importaria em cerca de oito milhões. Ou seja, o orçamento reduziu-se, o que só pode significar o encurtamento, ou amputação, do plano anterior. Por este andar temos assunto recorrente para as próximas décadas. Ao ritmo das disponibilidades dos orçamentos do ministério do ambiente, da boa vontade e origem geográfica dos secretários de estado da tutela, e da necessidade de satisfazer as clientelas políticas locais condensadas em tornos dos autarcas do momento. E o problema persistirá ad aeternum.
Em 2009 apareceu pela primeira vez a proposta de fazer a dragagem permanente da Lagoa de Óbidos, no programa autárquico do Bloco de Esquerda. Foi uma proposta de construção participada, ouvindo alguns técnicos da área do ambiente e muitos pescadores e mariscadores da lagoa, que a conhecem como as palmas das suas próprias mãos. A dragagem deveria passar a ser executada a partir de um projecto comum e contínuo entre os municípios que partilham as suas margens: Caldas da Rainha e Óbidos.
É claro que por ser uma proposta do Bloco de Esquerda foi absolutamente desvalorizada pelos poderes locais, que sempre que foram confrontados com ela titubearam algumas generalidades, balbuciaram boas intenções sem qualquer convicção, e ficaram na esperança de que a maioria dos cidadãos não prestasse assim muita atenção a este assunto. Logo foram anunciadas as dragagens faseadas, com os inebriantes e reluzentes milhões de euros de “investimento”, assim como uma espécie de conquista dos autarcas locais em benefício das suas populações. Com os resultados que agora conhecemos.
Na campanha autárquica de 2013 os candidatos do poder local, que sucederam aos presidentes em exercício, não tardaram a fazer acções de propaganda em conjunto na Lagoa de Óbidos. Na altura corria uma petição lançada e dinamizada por um aderente do BE da freguesia do Nadadouro, que propunha exactamente a dragagem permanente da lagoa sob responsabilidade dos dois municípios, que não se escusaram a assinar e a publicamente apoiar. Mera propaganda e marketing político em tempo de eleições. Encerrada a campanha e arrumadas as bandeiras, lá voltaram à conversa com a tutela para dar continuidade ao modelo corrente. Gastam estas pessoas horas e horas, e a nossa paciência, a falar de inovação. Enfim.
A proposta inicial de uma draga a trabalhar todos os dias na lagoa, a mesma vertida em petição, que recolheu as mais de 4000 assinaturas que a farão ser discutida em plenário da Assembleia da República, encerrava um plano completo de resolução do problema da lagoa. Sem esquecer o tratamento dos dragados, com a construção de uma pequena central de lavagem das areias, criando mais alguns postos de trabalho com este projecto.
Na dragagem já anunciada, dos tais quatro ou cinco milhões de euros, o que resultará para a economia local não irá além de algumas refeições consumidas nos restaurantes e bares da Foz do Arelho. Os efeitos directos e imediatos na economia das populações e no desenvolvimento destas comunidades contiguas à lagoa serão residuais, face ao potencial de criação de algumas dezenas de empregos que pode proporcionar um projecto de dragagem permanente. Os tais empregos que os mesmos autarcas também prometeram em campanha eleitoral. Além de ser a solução sustentável do assoreamento.