Planear. Ou não

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Vivemos hoje segundo padrões que se tornaram dominantes a partir dos anos 80. Fazemos parte de um mundo globalizado. Agimos e reagimos de acordo com príncipios e valores éticos e estéticos que nessa década do último quartel do século XX triunfaram e tiveram a adesão da maioria da população. A sociedade de consumo, as marcas, o individualismo, os média, o automóvel, os gadjet, etc., transformaram e transformaram-se no perfil das sociedades ocidentais, progresivamente globalizadas após a queda do muro de Berlim e desagregação da ex-URSS. O advento do digital e as possibilidades online vieram aprofundar e levar mais longe uma tendência já iniciada há décadas.
Portugal não ficou de fora deste movimento, sobretudo a partir de 1986, com a entrada na então CEE – Comunidade Económica Europeia. Dizia-se então que entravam por dia em Portugal um milhão de contos. O que seriam cinco milhões de euros diários, na actual designação monetária. Eram os célebres “fundos estruturais” em nome da coesão europeia. A semântica era belissima e as intenções absolutamente idóneas. Diriamos mesmo, acima de qualquer suspeita. Os benefícios que trouxe à vida do comum dos cidadãos é que não foram os apregoados, como hoje facilmente a maioria de nós pode constatar nas dificuldades quotidianas que enfrenta.
Infelizmente, os caminhos são turtuosos e, muitas vezes, sujeitos a diversos desvios e percalços. Os efeitos esperados, não foram exactamente os que nos foram sendo vendidos pela classe política do arco do poder. As perplexidades de hoje, enquanto cidadãos comuns, mais nos parecem calculismos prospectivos de uns, conivências oportunistas de outros e ainda eventuais distracções remuneradas de mais alguns. Dos que no passado recente e em nome de todos, assumiram decisões, defenderam opções, propuseram modelos.
Vejamos como se consolidou o paradigma do desenvolvimento local que nos trouxe até aqui. Os fundos de coesãoestiveram durante décadas ao serviço do poder instalado, possibilitando “fazer obra”, literalmente, e com isso ir nutrindo os caléndários anuais, e sobretudo eleitorais, das respectivas inaugurações. Num país com escassa participação cívica, com uma democracia de baixa intensidade – pouco exigente – foi o modelo perfeito que garantiu sucessivas reeleições e a perpectuação no poder de tantas figurinhas de opereta, elevadas à categoria de insignes adminstradores autárquicos e talentosos políticos. Só a limitação dos mandátos autárquicos veio finalmente salvar-nos deste deprimente, carnavalesco e envelhecido desfile, que de outro modo ameaçava eternizar-se.
Por cá, como noutros lados, a cidade foi alastrando ao ritmo da construção de uma cintura de rotundas. A especulação imobiliária fez o seu caminho, impondo o modelo do “pato-bravismo” nacional. Não é propriamente um formato espontâneo, inorgânico e ingénuo o que foi incentivado. Foi exactamente o modelo que melhor promoveu a concentração de riqueza nos bancos e na grande distribuição. Sob as aparências do crescimento económico (anémico) e da modernidade do consumo em grandes superfícies, instituiu-se o paradigma que têm vindo a estrangular o comércio tradicional, sugando a vitalidade do tecido económico e social que fazia a cidade tradicional, que promovia o espaço público como território cívico, que encontrava na cidadania e na cultura os mecanismos naturais de coesão social.
Eis que chegamos aos tempos das regenerações urbanas. Não por um particular diagnóstico que impusesse esta intervenção como absolutamente necessária, como incontornável e vital para a revitalização social, económica e cultural do território. Mas simplesmente porque era possivel fazer uma “candidatura” e assim obter financiamento. E nestas coisas os nossos autarcas são muito aproveitadinhos. Não deixam escapar o que a providência lhes oferece e que as suas limitações não deixaram planear. Planeamento? Pensamento estratégico?.. Venha lá dai mas é outro 15 de Maio com as respectivas inaugurações e medalhas!! Quando for necessário um plano estratégico alguma coisa se arrajará, que o anterior é letra morta há mais de dez anos.

Lino Romão
linoromao2.0@gmail.com