zé das papas / João Reboredo – Carême, o teorizador

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Depois do “barrete ou toque” e da “brigada de cozinha” ocupo-me de um dos mais importantes chefs franceses, Carême (1783-1833). Escoffier (1846-1935) fica para segundas núpcias.
Antonin Carême (Paris, 8 de Junho de 1783 – 12 de Janeiro de 1833) tornou-se conhecido pela simplificação e codificação da alta cozinha francesa. Famoso como “Lamartine des fourneaux” ou  “chef dos reis e o rei dos chefs”, Carême, é o primeiro chef celebridade.
Não há certezas quanto à sua origem (os pais seriam muito pobres, normandos), mas em 1792, no caos da Revolução Francesa, está em Paris. Terá trabalhado como ajudante de cozinha num restaurante barato, em troca de cama e comida. Em 1798, tornou-se aprendiz de Sylvain Bailly, famoso pasteleiro, proprietário de estabelecimento junto ao Palais-Royal.
Ganhou fama pelas suas peças montadas, composições usadas como centro de mesa, que Bailly exibia na vitrina, confeccionadas com elementos comestíveis, açúcar, massapã e outros, sob a forma de templos, pirâmides e ruínas antigas (socorria-se de livros de arquitetura histórica da Bibliothéque Nationale).
Criou arranjos para o diplomata e gourmet Charles Maurice de Talleyrand-Périgord, e também para outros membros da alta sociedade parisiense, incluindo Napoleão.
Este, famoso pela sua indiferença em relação à comida, percebia a importância das relações sociais no mundo da diplomacia e, por isso, encarregou Talleyrand da compra do Château de Valençay, vasta propriedade fora de Paris, que se tornaria centro de atividades diplomáticas. Quando Talleyrand se instalou, levou Carême consigo e propôs-lhe criar um menu para o ano inteiro, sem repetição e usando apenas os produtos da estação. Foi o primeiro passo para a “cuisine du marché”.
Talleyrand incentivou Carême a produzir um novo e refinado estilo de gastronomia, usando ervas e vegetais frescos, e simplificando molhos com o uso de menos ingredientes. A mesa de Talleyrand tornou-se famosa durante as negociações que se seguiram à queda de Napoleão, no Congresso de Viena. Findo o Congresso, o mapa da Europa e os gostos culinários das classes mais altas estavam totalmente modificados.
Após a queda de Napoleão, Carême foi para Londres e trabalhou como chef para o Príncipe Regente, George IV. No continente, serviu ao Czar Alexander I em São Petersburgo, antes de voltar a Paris, onde trabalhou como chef para o banqueiro barão de Roth­schild.
Morreu aos 50 anos, “brulé par la flamme de son génie et par le charbon des rôtissoires» e é lembrado como o fundador do conceito da alta gastronomia. Foi enterrado no cemitério de Montmartre.
O impacto de Carême na gastronomia deu-se tanto no trivial quanto no teórico. Credita-se a ele a criação do tradicional chapéu de chef, o Toque;  criou novos molhos e pratos, publicou uma classificação de todos os molhos em grupos, baseada nos quatro molhos básicos. É frequentemente citado como responsável pela troca do serviço à francesa pelo serviço à russa, quando regressou da corte russa, o que não está provado.
Os escritos de Carême compreendem o “Pâtissier pittoresque” (1815), o “Maitre d’hô­tel français” (1822), o “Pâtissier royal pari­sien” (1825) e especialmente a “Art de la cuisine au XIX siècle (1833)”, em cinco volumes (os dois últimos já do seu discípulo Plumerey), que incluíam, além de centenas de receitas, planeamento de cardápios, uma história da culinária francesa e instruções para organizar uma cozinha.
joaoreboredo@gmail.com