PAÇOS DO CONCELHO

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A ilha encantada
Numa crónica sobre política local e regional, faz todo o sentido que, em pleno verão, nos debrucemos sobre o turismo. Ainda assim, e exatamente por estarmos à beira do mês de agosto, o mês de férias por excelência, não servirá esta crónica para maçar os leitores com políticas de turismo, nem sequer para analisar o turismo enquanto atividade económica. Para isso não teria que esperar por agosto, até porque o turismo não se deve esgotar nos meses de verão. Não, esta crónica servirá para lembrar, aos muitos que já a conhecem e apresentar, aos que nunca lá foram, uma das pérolas que a nossa região tem e que merece ser “explorada”, no bom sentido da palavra. O Oeste em geral e as Caldas da Rainha em particular têm muitas razões para que os veraneantes nos visitem mas para mim, pelos muitos anos em que lá acampei, há uma que é especial…
Havia sempre uma manhã de agosto em que a estrada, a antiga, antes de haver o IP6, conduzia ao cabo Carvoeiro. Sabendo que o destino final da minha viagem ainda estava, e graças a Deus ainda está, livre de todas as típicas comodidades tecnológicas a que estamos habituados, passava toda a semana anterior preocupado com tudo o que era preciso levar. Apesar disso, acabava por perder apenas a noite da véspera a preparar a mochila. Nessa noite, sentia-me um verdadeiro lobo-do-mar preparado para enfrentar o oceano mais tenebroso. Porém, dono de um estômago verdadeiramente incompatibilizado com a portuguesa vocação de um povo que é herói do mar, bastava chegar à Atouguia da Baleia para começar a sentir as náuseas que, meia hora mais tarde, os balanços das ondas do mar me haveriam de provocar.
Ao aproximar-me de Peniche já começava a ver a ilha. Por vezes, por força da tão oestina neblina matinal, apenas vislumbrava a sua silhueta. Nesses dias, parecendo que pairava no ar, a Berlenga redobrava o ambiente mágico que sempre a envolve. A travessia a bordo do Cabo Avelar Pessoa fazia-me garantir aos meus companheiros de viagem que aquela era a última vez que ia à Berlenga. Mas nunca era. A chegada ao cais da ilha era um momento único. Protegido das ondas pela própria Berlenga, o antigo barco de pesca navegava a milha final sobre um mar plano que me devolvia a cor ao rosto que, nessa altura, já deixava adivinhar um sorriso. Enquanto desembarcávamos e montávamos o acampamento relembrávamos histórias e aventuras ali vividas em anos anteriores. Durante aqueles dias cumpríamos cegamente a jura de deixar todos os problemas e preocupações no continente. Vivíamos sem o conforto do dia-a-dia das nossas casas, mas vivíamos intensamente. Enquanto lá permanecíamos quase isolados do mundo, bebíamos a vida até à última gota.
O regresso era um misto de emoções. A saudade que já se sentia da ilha era acompanhada com a certeza de que a sua magia era como uma poção inebriante que não pode ser tomada em excesso. Regressava sempre com a convicção de que o fazia na altura certa. Ao desembarcar no porto de Peniche ficava a promessa de voltarmos no ano seguinte.
Era este o ritual que a força da amizade e a magia da Berlenga faziam repetir ano após ano. Durante mais de uma década foi assim. Existe uma regra de ouro partilhada entre quem gosta de viajar e de fazer turismo que dita que nunca se deve voltar a um local onde se foi feliz. Mas todos sabemos que as regras, mesmo as de ouro, fizeram-se para ser quebradas. E eu lá voltei… e voltarei. Para mim, a Berlenga continua a ser, e sempre será, a minha ilha encantada.

Jorge Varela
jorge.varela@ipleiria.pt