Bruno Dias diz que quem confiou na CDU e nos seus el eitos, não foi enganado nem traído

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Gazeta das Caldas

bd1O deputado comunista que mais acompanhou as questões relacionadas com a região, Bruno Dias, diz que os eleitores que votaram CDU não se sentem enganados nem traídos. Bruno Dias explica que a CDU perdeu um deputado eleito no distrito de Leiria quando, em 1987, o parlamento passou de 250 para 230 deputados e que isso enfraqueceu as vozes dissonantes da Assembleia República. É também por isso – para evitar o bipartidarismo – que está contra a criação dos círculos uninominais.
Nas Caldas, Bruno Dias está contra a municipalização dos museus e defende uma “gestão autonomizada do Hospital Termal e a unicidade do seu património”. Mais: não admite a utilização da água termal por privados a não ser de forma supletiva e pagando o devido preço. “Quando dizemos que termalismo é saúde, temos que ser coerentes com essa afirmação”, conclui.

GAZETA DAS CALDAS – Acabaram os distritos e os governadores civis. Mantêm-se os círculos eleitorais com base nos distritos. Acha que o próximo passo serão os círculos uninominais?
BRUNO DIAS – Essa ideia da criação de círculos uninominais já tem barbas e volta e meia aparece para desviar as atenções das questões centrais para a vida das pessoas. O objectivo real seria afectar os comportamentos eleitorais, alterando as regras do jogo na secretaria para contrariar e manipular a vontade do Povo. O PS e o PSD (e o poder económico) procuram já hoje uma bipolarização a nível nacional, desde logo com a mentira dos “candidatos a Primeiros-Ministros”. As pessoas vão eleger deputados! Ora, com os círculos uninominais teríamos uma bipolarização com os candidatos a nível local. O que é preciso é defender o pluralismo – e principalmente ter na Assembleia da República deputadas e deputados que por opção política e na prática concreta estejam com a população, lado a lado nas suas lutas e no seu trabalho, em vez de ficarem só pelo paleio da proximidade dos eleitores (quando na realidade estão próximos de outros interesses…).

G.C. – Fernando Costa defende no seu livro sobre o poder autárquico que “uma profunda reforma” do poder local passaria pela criação das federações de municípios “antes de qualquer outra na organização territorial da administração”, com a fusão de “vários concelhos, dois ou três, no máximo”. Qual a sua opinião sobre esta proposta?
B. D. – Não posso comentar um livro que não li, mas lembro-me bem de toda a propaganda e de toda a intoxicação política e mediática que se fez acerca do poder local, sob o alto patrocínio da “troika” e dos seus partidos. Roubaram milhares de freguesias ao povo e afastaram os eleitos locais das pessoas, e preparavam-se para fazer o mesmo com os municípios – sendo que, como se vê pelo exemplo, ainda há quem continue com a mesma conversa.

G.C. – Que concelhos do Oeste fundiria?
B. D. – Nenhum. Mais depressa devíamos devolver as freguesias ao Povo, ouvindo as populações e as autarquias e os seus eleitos.

G.C. – Ao longo do último mandato o que fez que melhor tenha servido os interesses da região Oeste?
B. D. – Acima de tudo é de valorizar a ligação e a acção integrada de um Partido e de um grande colectivo que esteve sempre, sempre, lado a lado com as lutas dos trabalhadores e das populações da Região. Fosse nos combates em defesa do SNS e do direito à saúde, fosse na luta e no trabalho pela Linha do Oeste e contra o seu encerramento, fosse na intervenção, no estudo e na proposta pelas medidas de protecção ambiental na Lagoa de Óbidos (para falar apenas de questões mais directamente ligadas ao concelho), a marca constante do nosso trabalho foi a presença no terreno, o trabalho colectivo e participado, a ligação às populações da Região.

G.C. – E o que mais lamenta não ter conseguido fazer pelo Oeste e pelo distrito de Leiria?
B. D. – Sendo eleito por outro Distrito, neste caso o Distrito de Setúbal, não seria possível intervir a tempo inteiro no acompanhamento ao Distrito de Leiria. E aí não há volta a dar. Se houvesse (pelo menos!) uma deputada ou um deputado, eleitos pela CDU, em condições de intervir e acompanhar todos os dias a Região, as populações, as empresas e locais de trabalho, os sectores produtivos, os jovens do Distrito de Leiria, então seria uma grande diferença.

G.C- Há vários anos que o PCP não consegue eleger um deputado no distrito de Leiria. Que explicação tem para isso?
B. D. – O PCP deixou de eleger um deputado por Leiria a partir de 1987, quando a composição da Assembleia da República passou de 250 para 230 lugares. Quando alguns falam na redução do número de deputados, na verdade é disto que estão a tratar: da tentativa de calar vozes dissonantes. Mas nestas eleições legislativas, o objetivo de reeleger um deputado pelo Distrito, apesar de difícil, não é impossível. Se repetirmos a expressão eleitoral obtida pela CDU nas votações para as Autarquias e para o Parlamento Europeu, então esse propósito é atingido. E isto é uma questão importantíssima: quem votou CDU, quem confiou na CDU e nos seus eleitos, não foi enganado, não foi traído. E se as pessoas também agora sacudirem o conformismo e decidirem usar o voto para que alguma coisa mude de verdade, então esses resultados são possíveis de alcançar. Há cada vez mais pessoas que se dirigem a nós e nos dão mais força e mais alento, mais razões para lutar com confiança.

“Somos contra a municipalização dos museus”

G.C. – O governo pretende nas Caldas da Rainha a municipalização dos museus Malhoa e de Cerâmica. Qual a sua posição sobre isso?
B. D. – Somos contra a municipalização dos Museus. O Governo chama-lhe enganosamente “descentralização” – mas, em boa verdade, é apenas uma falácia em que o Poder Central sacode a água do capote, transferindo competências e responsabilidades sem o imprescindível acompanhamento dos meios respetivos. Neste caso concreto, a transferência do Museu de Cerâmica traduziria essa mesma atitude de desresponsabilização e, aliás, poderia comprometer por muito tempo a eventual criação futura de um Museu Nacional de Cerâmica. Quanto ao Museu José Malhoa, integrante da Rede Nacional de Museus e onde se encontra um espólio de extraordinária importância e grande qualidade com pintura portuguesa do século XIX, tal transferência significaria uma efetiva despromoção e é portanto inaceitável. Aliás, esta é também a posição da própria Liga dos Amigos do Museu, já oportunamente transmitida. Os responsáveis políticos não podem ignorar e desprezar desta forma o património de um país. Pela nossa parte, também nesta matéria a posição que assumimos a nível local, nas Caldas da Rainha e nos outros concelhos, é a mesma que assumimos na Assembleia da República. Não somos incoerentes.

G. C. – E qual a sua posição sobre a municipalização do ensino?
B. D. – Esta não é a primeira tentativa de municipalização do ensino. Já anteriormente, PS e PSD o tentaram e, curiosamente, também num momento em que o FMI se encontrava em Portugal. “Municipalização da educação” significa portas abertas à privatização da escola pública (como sucedeu com as AEC/Actividades de Enriquecimento Curricular), e significa também a retirada de direitos dos trabalhadores. Significa, ainda, passar o descontentamento das populações para cima das autarquias e agravar as assimetrias territoriais — com escolas públicas a diferentes velocidades e centenas de políticas educativas diferentes, colocando em causa a igualdade de oportunidades das crianças e dos jovens.
Este processo foi desencadeado e conduzido contra a vontade da comunidade escolar, mas também é um embuste, porque somente prevê disponibilizar os recursos que, hoje, já existem, não havendo reforço de meios para o cumprimento adequado destas competências, o que impede a resolução dos problemas existentes. O mesmo Governo que diz querer descentralizar é aquele que impôs um garrote financeiro às autarquias e lhes minou a autonomia, que fecha escolas, que despede professores, que recorre a trabalho precário e a contratos emprego-inserção para responder a necessidades permanentes; é aquele que criou os mega-agrupamentos e, assim, centralizou a estrutura que agora diz “descentralizar”!

G.C. – É-lhe fácil imaginar que, com a municipalização da educação, sejam as concelhias dos partidos ou os vereadores a escolher os professores para as escolas?
B. D. – Mais do que imaginar o que pode vir a acontecer, é preciso observar e tirar conclusões sobre o que já acontece. Veja-se o que foi o processo das AEC que já referimos. Nós temos denunciado e combatido essas medidas com muita firmeza na AR. E aí propusemos a anulação do processo de municipalização da educação, nomeadamente os contratos já estabelecidos, e que o Governo reassumisse as suas responsabilidades, que foram, entretanto, transferidas para as autarquias. Apresentámos medidas de reforço da escola pública, a valorização dos profissionais da educação, a contratação de mais meios humanos, o cumprimento dos direitos dos estudantes, etc., devendo o Estado assumir todas as suas responsabilidades nesta matéria. O PSD, o CDS-PP e o PS votaram contra estas medidas, mas a vida continua a demonstrar que elas são condições indispensáveis para se concretizar uma escola pública, gratuita, de qualidade, democrática e inclusiva, pilar do regime democrático, e que foi uma conquista de Abril.

G.C. – Que comentário lhe merece a prática de o governo atribuir dinheiro público a colégios privados para acolherem turmas quando há capacidade para estas na rede pública?
B. D. – O PCP e o PEV enquanto partidos com assento parlamentar foram muito activos na denúncia do que tem sido – particularmente aqui no Distrito de Leiria – o escândalo da entrega de milhões de euros de dinheiros públicos a grupos económicos a quem se entrega o negócio (!) da educação e do ensino, acabando com a escola pública. Tivemos encontros com pais e encarregados de educação, com os professores e as suas estruturas, questionámos o Governo com esta situação vergonhosa. É mais uma peça dessa estratégia de desmantelamento da escola pública e da sua transformação num negócio de milhões para grupos económicos e interesses privados.

G.C. – Nas Caldas, o Hospital Termal e os Pavilhões do Parque e o seu património vão passar para o município. Pelo conhecimento que tem da cidade e da região, parece-lhe essa uma boa solução?
B. D. – A Coligação Democrática Unitária lutou (mais uma vez, também aqui de forma coerente na Assembleia Municipal e na Assembleia da República) contra a transferência do Hospital Termal, fundado em 1485, para o Município. Desde logo porque consideramos que a Câmara Municipal não tem vocação nem sequer recursos para a respetiva gestão. Recentemente, o Primeiro-Ministro declarou não saber quando é que essa transferência poderia ser efetuada. O Governo lidou com este assunto com manifesta má-fé, preconceito e falta de vontade política. Veja-se a espantosa afirmação, pela voz do Secretário de Estado Leal da Costa, de que o Hospital Termal não faz parte do «core business» [sic] do Ministério da Saúde. O Hospital está encerrado há dois anos e corre-se o sério risco de se estar a caminhar para a privatização. O que é preciso é defender a gestão autonomizada do Hospital Termal, a unicidade do seu património, e o funcionamento com todas as suas valências integrado no SNS. É preciso falar com clareza. Nós admitimos a utilização da água termal por privados, mas desde que com funções meramente supletivas e desde que garantam o pagamento de acesso e consumo com preço tabelado. Quando dizemos que termalismo é saúde, temos que ser coerentes com essa afirmação.

G.C. – A Região de Turismo do Oeste foi integrada coercivamente na Região Centro. Aceita esta via ou na próxima legislatura vai defender outro modelo?
B. D. – Tendo em conta ser inegável a importância patrimonial e a especificidade e a diversidade que conferem grande dimensão às potencialidades turísticas do Oeste, não concordamos de todo com a diluição da Região de Turismo do Oeste na Região Centro, mais a mais tratando-se duma integração coerciva como é assinalado. O que nós defendemos é a revogação da atual Lei que estabelece Entidades Regionais de Turismo e defesa da reconstituição da Região de Turismo, enquanto entidade motora do desenvolvimento regional, associada a dinâmicas do poder local, com a promoção da imagem e identidade própria do Oeste.

G.C. – A política de saúde nas Caldas da Rainha e na região Oeste tem seguido uma estratégia sem estratégia, com desinvestimento, abandono de serviços e falta de diálogo entre os responsáveis e as autoridades locais. Revê-se neste modelo?
B. D. – A extinção do Centro Hospitalar do Oeste-Norte para dar lugar ao CHO (Centro Hospitalar do Oeste, articulado com o Hospital de Torres Vedras) teve, também aqui, consequências muito negativas: a desistência da construção de um hospital novo cuja necessidade é cada vez mais sentida, a quase desativação da capacidade de resposta do Hospital de Peniche, o desmantelamento de valências e serviços no hospital de Caldas da Rainha cujas Urgências estão no lote das seis piores do país, falta de profissionais, etc. É imperioso que se proceda à reversão destas medidas que têm gerado situações caóticas, com manifesto prejuízo dos utentes e desrespeito pela Saúde Pública. E justamente nas Caldas da Rainha tivemos, ao longo deste mandato, inúmeras ocasiões, visitas no terreno, sessões públicas com a participação de cidadãos, autarcas, utentes e profissionais de saúde, acerca desta matéria tão importante – e em relação à qual sempre trabalhámos afincadamente na Assembleia da República.

“A Linha do Oeste é ilustrativa do que é a política de sucessivos governos PS e PSD/CDS”

G. C. – Há 30 anos que em todas as campanhas eleitorais PS e PSD prometem a modernização da linha do Oeste. Haverá um acordo tácito entre os dois partidos para prometer e logo esquecer?
B. D. – A Linha do Oeste é um exemplo bem ilustrativo do que é a política destes sucessivos governos PS e PSD/CDS. Se uns dizem mata, outros dizem esfola. A degradação, o abandono, a falta de investimento e as tentativas de pura e simplesmente encerrar a linha: foi isso que tivemos da parte desses partidos da troica.
Mas deve-se dizer com toda a clareza que se, há comboios a circular hoje na Linha do Oeste, é graças à persistência e à luta das populações locais, a que demos voz na Assembleia da República. É preciso não esquecer que quer o Governo PS/Sócrates quer este Governo PSD/CDS-PP chegaram a determinar por escrito o encerramento da Linha. E não conseguiram!
Recordamos bem as iniciativas, tantas e tão importantes, que se realizaram nas Caldas da Rainha ao longo dos anos, e também o estudo técnico que demonstrou a viabilidade da Linha – que por iniciativa do PCP foi apresentado na comissão parlamentar de economia e obras públicas. Mais uma vez se vê que é possível e vale a pena lutar.

G.C. – Os portugueses desconfiam dos políticos e do enriquecimento súbito de alguns. Qual a sua posição sobre a legislação de combate ao enriquecimento ilícito ou injustificado?
B. D. – A ideia central para nós é que a não declaração do acréscimo patrimonial (ou a não declaração da sua origem) deve ser um ilícito criminal e deve ter uma sanção penal direta. Claro que esse enriquecimento não justificado poderá ser indício da prática de outros atos criminosos, mas aí, então, as autoridades judiciárias, com base nesses indícios, terão de fazer a investigação necessária. Mas a injustificação do rendimento, essa, já é, em si mesma, um ilícito, em nome da transparência que importa defender. Defendemos um regime mais agravado para funcionários e titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, mas deve haver um dever geral de transparência para o conjunto da sociedade. Todos nos recordamos da experiência amarga de atos de corrupção gravíssimos que são praticados no âmbito do setor privado, designadamente no âmbito do setor financeiro, e isso também não deve ficar impune quando se criminaliza o enriquecimento injustificado. O PS desde o início rejeita legislar sobre isto, lá saberá porquê. Mas a lamentável farsa que PSD e CDS-PP impuseram na AR foi a aprovação de uma lei que desde o início se sabia que não poderia passar no Tribunal Constitucional – e foram confrontados por nós precisamente com esse mais que provável desfecho (que evidentemente se confirmou). Se a nossa proposta tivesse sido aprovada nada disso acontecia. Dá que pensar sobre as reais intenções de quem teve tal atitude…

G.C. – Qual o livro que anda a ler?
B. D. – «Os Pedaços de Madeira de Deus», de um escritor senegalês chamado Sembène Ousmane. É um grande livro, inspirado em acontecimentos históricos da greve dos trabalhadores africanos do caminho-de-ferro Dacar-Níger em 1947/48.

G.C. – Onde foi ou onde vai de férias?
B. D. – Andámos pelo Sul, passando uns dias pelo Alentejo e Algarve. O nosso País é de facto de uma beleza e de uma diversidade extraordinárias, sempre com mais coisas para descobrir e aprender.