«A ambivalência do sagrado» de Aurélio Lopes

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ImageCom o subtítulo de «Deuses e demónios nas terapias populares», este novo livro de Aurélio Lopes (n.1954) estuda o modo como o Povo Português viveu (e vive ainda hoje) no seu quotidiano a dupla inscrição de Deus e do Diabo. Por um lado Deus que o autor refere deste modo: «Pois se Deus é (por definição) bom, o Diabo (acredita-se) também não é mau.» A chamada astúcia popular existe e manifesta-se na frase «é preciso andar de bem com Deus e com o Diabo» ou também em «É preciso acender uma vela a Deus e outra ao Diabo». Mas, segundo o autor, o Diabo (ou Demo) «representa o contrapoder, a potestade marginal e obscura que se opõe aos poderes eclesiástico e temporal; o espírito rebelde, imoral e subversivo; o insensato que se opõe ao senso comum; o derradeiro socorro quando os outros se esgotam ou se mostram inacessíveis.»
A este título tem muito de exemplar a situação vivida em 1870 quando o arcebispo de Braga soube da existência em Amarante de «um casal de Diabos» (ainda por cima fortemente sexualizados) e ordenou que fossem queimados por achar nefasta e escandalosa a convivência com os santos. Mas o prior limitou-se a mandá-los mutilar nos órgãos sexuais tendo eles passado a um canto da igreja até que o senhor Alberto Sandeman, cavalheiro inglês, prontamente os adquiriu por três libras de ouro, enviando-os para Londres onde fizeram furor. «Entretanto os amarantinos não se tinham conformado com a forçada emigração dos seus Diabos de estimação, clamando pela sua restituição. De tal forma que o então ministro dos Negócios Estrangeiros consegui que o senhor Sandeman devolvesse o casal de divindades , provocando o delírio nos amarantinos. Ao chegarem a Amarante , foram recebidos por Banda de Música, pelas entidades públicas, particulares e por uma multidão exuberante.»
E conclui Aurélio Lopes: «este é um bom exemplo de devoção popular a diabolizadas potestades pré-cristãs perpetuando-se pontualmente através de tempos imemoriais até chegar, com particular vitalidade, aos nossos dias.»
(Editora: Apenas Livros, Revisão: Luís Filipe Coelho, Direccão: Ana Paula Guimarães, Apoios: FCT, IELT e FCSH da Universidade Nova)