“Não gosto que nos Estados Unidos a saúde seja um luxo”

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JoanaSantosUSA_02Joana Santos
32 anos
Caldas da Rainha
Nova Iorque – USA
Assistente de fotografia
Percurso escolar: Escola Primária do Bairro da Ponte, Escola D. João II, Escola Secundária Raul Proença, Escola Superior de Teatro e Cinema, School of the International Center of Photography (Nova Iorque)

Do que mais gosta do país onde vive?
Em Nova Iorque, em particular, gosto da diversidade. Quase metade da população desta cidade é emigrante, o que naturalmente proporciona um contacto com culturas que de outra forma provavelmente não teria.
Moro em Brooklyn e o bairro onde estou há quatro anos é dominado por emigrantes da zona das Caraíbas. Há sempre música nas lojas. Até a loja mais pequenina a vender incenso e velas tem um velhinho a ouvir reggae. Por 8 euros vou ao take-away Jamaicano e compro jantar para três pessoas. Antes de morar aqui, morava num bairro aqui perto, onde a maioria eram judeus.
Outra coisa boa de Nova Iorque são os transportes – há metro 24 horas por dia. Um bilhete custa cerca de 2 euros, o que é barato, dada a área que cobre – o metro não é por zonas. E com esse bilhete ainda se pode transferir para o autocarro.
A nível profissional aqui há obviamente mais oportunidades. É por isso uma cidade muito competitiva, mas as oportunidades existem.

O que menos aprecia?
Não gosto que a saúde seja um luxo. Hoje tenho seguro, pago pela empresa onde trabalho, mas durante três anos não tive nada. Tinha que fazer os exames todos nas férias, eram os meus pais que me enviavam certos medicamentos, etc. Mesmo com seguro já cheguei a ter que pagar uma quantia exorbitante por antibióticos. Onde é que faz sentido que num país evoluído tenha que se usar o cartão de crédito para comprar um antibiótico? Os seguros são normalmente pagos em conjunto pelo empregador e pelo trabalhador. Depende de cada empresa a percentagem que cobrem. Conheci pessoas que não tinham seguro pois preferiam não ter que abdicar de parte do ordenado, porque não podiam mesmo. Não faz sentido.
Outra coisa de que não gosto são os maus hábitos alimentares, especialmente nas crianças. Claro que não é toda a gente que o faz, mas vejo tantas vezes miúdos com bebidas às cores, cheias de açúcar.
E finalmente, a questão das armas. Sou absolutamente contra o porte de armas. Acho que não é necessário explicar porquê, e acho ridícula a teoria de que as pessoas devem ter armas para se defender. Não seria necessário se acabassem com esta história de vez.

De que é que tem mais saudades de Portugal?
Obviamente, família e amigos, acima de tudo. Mas de uma forma geral, da qualidade de vida. De comer bem sem isso ser um luxo. Sempre que vou a Portugal fico cheia de inveja das casas dos meus amigos, do espaço que têm. Também tenho saudades de ter mais dias de férias.

A sua vida vai continuar por aí ou espera regressar?
A longo prazo quero regressar. Não me vejo aqui para sempre. Não sei se regressarei a Portugal ou outro país na Europa. Gostava de estar mais perto. A partir daqui não dá para ir passar um fim-de-semana a casa.

“É óptimo viver numa cidade [Nova Iorque] onde há sempre coisas a acontecer”

Vivo em Nova Iorque desde 2008. Na altura saí para estudar. Há muita gente que sai obrigada, mas na altura eu lembro-me que queria muito sair do país e passar pela experiência de viver fora. E também porque sentia que a minha vida profissional dificilmente iria progredir se não o fizesse. Acima de tudo o que me permitiu vir foi o facto de ter cá família que me acolheu generosamente e com quem vivi durante o primeiro ano, enquanto estive a estudar.
Gostei muito de estudar aqui, ainda que tenha sido só um ano. Foi um curso bastante intensivo, chegava a ter aulas sete dias por semana, por vezes das 10h00 as 22h00. Aqui, ao nível do ensino de artes, pelo menos, notei uma menor distância entre professores e alunos. Há mais espaço para errar. Havia tanto mérito em aprender pelo erro como em chegar à aula com o exercício todo certinho.
Quando saí da escola passei pelo período clássico dos estágios, mas foi graças a um estágio que me ligaram mais tarde para trabalhar no estúdio de fotografia onde estou hoje. Durante esse tempo fui trabalhando em cafés e restaurantes. Nas cozinhas dos restaurantes fala-se espanhol. Diria que 80% dos trabalhadores são emigrantes sul-americanos. Das pessoas mais trabalhadoras que já conheci. Havia um rapaz que tinha 19 anos, era do Guatemala. Tinha vindo sozinho de carro, através do México, até Nova Iorque. Trabalhava a lavar pratos das 6h00 às 18h00, de segunda a domingo.
Acho que o maior choque que tive foi o meu primeiro Inverno. Acho cómico quando me lembro do quão mal preparada estava, mas na altura não achei muita graça. Lembro-me que queria muito que nevasse, mas rapidamente descobri que neve no dia-a-dia é das piores coisas… No Inverno é obrigatório os senhorios aquecerem as casas a custo zero para os inquilinos. As casas estão muito bem preparadas para o frio.
É óptimo viver numa cidade onde há sempre coisas a acontecer. Mas também há um desgaste muito maior, próprio das cidades grandes. Demoro quase uma hora a ir de metro até ao trabalho. Em Lisboa ia a pé. Aqui jamais terei esse privilégio.

Joana Santos