O presidente de todos os telespectadores

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Marcelo Rebelo de Sousa entregou-se a uma campanha eleitoral de uma década, com tempo de antena em pantalha televisiva produzido em homilias dominicais.
A televisão, máquina de trepanar cabeças e consciências, permitiu a um director de canal gabar-se de conseguir vender (leia-se promover; ou impingir) um presidente da República como de vulgar sabonete se tratasse. E concluía, impante: – «Mortal!…». E é. Ora na espuma desta saponária ideológica e de «marketing», surgiu Marcelo, perfumado pela essência da política-espectáculo. Educado para herdeiro do antigo regime e herdando o nome próprio do seu quase padrinho Caetano, na adolescência louvaminheiro de Salazar, mais tarde fura-greves na Universidade e informador do ministro da ditadura acerca das movimentações académicas, Marcelo vem do Estado Novo; desafiante, questionou o seu adversário que se reclamava de «um tempo novo», sobre onde estava no 25 de Novembro. Ora o que seria bom saber-se era onde estava Marcelo no 25 de Abril. Indubitavelmente apto para todo o serviço, por ínvias maneiras, foi poupado à incorporação militar, no mesmo tempo em que o pai, Baltazar, ministro do Ultramar, arengando acerca da guerra colonial, apelava à defesa da Pátria (tinha-se entretanto tornado inconveniente falar de Império). Questão irrelevante e de somenos? Nem por isso, tendo em conta que o PR é o comandante supremo das Forças Armadas.
Consciente de que «melhor do que ser rico, é ser amigo de ricos», Marcelo soube sê-lo: parceiro de ténis do banqueiro Salgado e seu convidado em férias no Brasil, deu em troca a facilitação de negócios na rede de influências, sempre ao dispor, de Vocência um seu criado…
Catavento lhe chamou Passos. «Filho de Deus e do Diabo – Deus deu-lhe a inteligência e o Diabo a maldade», assim o definiu Portas, agora seu indefectível apoiante. Cristo desceu à terra e Marcelo foi-se multiplicando em epifanias: teceu intrigas, manobrou nos bastidores, urdiu «factos políticos», praticou insidioso jornalismo, cortesão ladino, de língua ágil, contorcionista nessa via sinuosa do «faz-se de tudo, sempre a abanar a anca». Assim, Palhaço Rico e Faz-Tudo, já mergulhou no Tejo, conduziu um táxi e nestes dias de corrida para Belém, fez a cama em lar de 3ª Idade, penteou velhinhas, passou a ferro, foi o seu próprio motorista, obviamente sempre acompanhado por uma multitude de câmaras de televisão e jornalistas os quais, de facto, constituíram a sua principal equipa de apoio no terreno e o transportaram num andor engalanado pelos brilhos da propaganda, até ao palácio presidencial.
Enjeitando o legado dum Cavaco, mesquinho, rígido e iletrado, Marcelo exibiu-se como hiperactivo vendeirinho de promoções literárias, caixeiro-viajante de si mesmo, representante autonomeado duma tal «esquerda da direita» inventada no limbo pantanoso do centrão político-partidário para quem é desvantajoso lembrar o saldo negativo do governo PSD-CDS. A Direita revanchista que adoraria um caudilho providencial, exultou com a concretização do lema de Sá Carneiro – «um governo, uma maioria, um presidente» e rejubila neste momento com o suposto equilíbrio resultante da eleição de alguém «não socialista», face a mais de meio país que se absteve.
Teremos pois na Presidência um truão, apresentador de variedades coloridas e mistificadas, bufão de feiras e mercados para o povo boca aberta, ilusionista do real, prestidigitador da política, funâmbulo na corda bamba da mentira, cospe-fogo de ardis, animador de pista da mundanidade áulica, malabarista do cinismo, aspirante a domador da Democracia.
E a Constituição não prevê nenhum meio de controlo ao desempenho do mais alto magistrado da Nação…