Há cada vez mais reformados estrangeiros a viver nas Caldas da Rainha e no Oeste

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Inge Van Liefland, holandesa, 66 anos, vive em Salir do Porto há 8. Os primeiros três anos em Portugal foram passados na Figueira da Foz. Foi empregada num jornal, onde era responsável pela publicidade. Tem duas filhas e dois enteados
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Sheila Chettle, inglesa, 85 anos, trabalhava como administrativa e já vive em Portugal há 25 anos. Começou por ter casa nas Gaeiras, mas comprou um apartamento na Encosta do Sol, onde vive há 11 anos. Tem duas filhas em Inglaterra e um na Austrália
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Dominique e Joüelle Poplier, de 63 e 66 anos, mudaram-se para o Nadadouro em 2013. A antiga responsável pelos lançamentos de mercado na indústria farmacêutica e o ex-polícia têm dois filhos e vieram para o Oeste apenas uma semana antes de comprarem casa

Chegada a hora do descanso, escolhem Portugal para a aproveitarem os anos da reforma e, malas feitas, a região Oeste é um dos destinos que mais procuram. Vêm de vários pontos do mundo, mas a maior parte vem de França, Holanda, Inglaterra, Bélgica e Alemanha, países ricos da Europa. O que os traz até cá? Todas as respostas fazem referência ao mar e às praias, ao sol e ao clima, às paisagens selvagens, ao baixo custo de vida, ao património histórico da região, à cultura, à simpatia das pessoas e ao mercado diário da Praça da Fruta. Encontraram nas Caldas (e arredores) uma segunda casa e, tão cedo, não pensam regressar às origens.

Bobby e Dandy dão as boas-vindas à entrada do apartamento de Sheila Chettle, nas Caldas da Rainha. Fiéis companheiros da inglesa de 85 anos, este cão e gato tornaram-se a principal companhia de Sheila Chettle desde que o marido faleceu, há mais de 20 anos. Curiosamente, foi ele quem sugeriu que se mudassem para um país com sol. É que, em Oxford “há muitas nuvens, os dias são escuros e o frio é seco, o que torna o ambiente bastante depressivo”, conta Sheila Chettle, que nos recebe com a música de um CD de jazz.
Inicialmente, pensaram em mudar-se para Espanha, mas a frieza dos “nuestros hermanos” fê-los pensar duas vezes. “Não sentimos que se esforçavam por entender-nos, e em Portugal as pessoas eram muito mais simpáticas”, revela a inglesa que, já em território nacional, pôs o Algarve fora das opções.
Para a reformada, que em Inglaterra trabalhava como administradora, a zona mais a sul do país está preparada para os estrangeiros e, por isso, perde a “verdadeira essência de Portugal”. E, se havia factor que Sheila Chettle e o marido queriam preservar quando se instalassem por terras lusas, era o de viverem inseridos nos costumes portugueses.
Joüelle e Dominique Poplier, um casal de franceses que comprou casa no Nadadouro em 2013, também não gostou da “pinta” do Algarve. “É demasiado betão e faz muito calor”, diz Joüelle Poplier, a quem Benidorm, em Espanha, tão pouco conquistou. “Disse ao meu marido que se me levasse a sair de França para viver numa cidade assim, recusava-me a mudar”, conta a reformada, de 63 anos, que trabalhava na indústria farmacêutica na região parisiense.
Na verdade, foi o Nadadouro que lhe encheu as medidas. Aqui, Joüelle e Dominique encontraram a natureza e a paisagem selvagem que procuravam, tendo hoje como um dos passatempos favoritos a observação das espécies de aves que sobrevoam a Lagoa de Óbidos.
Para Inge Van Liefland, holandesa em Salir do Porto há 8 anos (que viveu os primeiros três anos em Portugal na Figueira da Foz), ter o mar à porta de casa é recordar a sua cidade natal, Haia.
Apaixonada por caminhadas, Inge desafiou-se a conhecer as redondezas pelo seu próprio pé. Depois de comprar um livro que reunia exemplos de caminhos pedestres (de Salir do Porto à Serra do Montejunto), a holandesa de 66 anos aventurou-se a andar até à Foz do Arelho, seguindo depois para as Caldas da Rainha. “Nessa caminhada descobri uma paisagem magnífica, fiquei encantada! Principalmente porque vinha de uma grande cidade [Roterdão] e não estava habituada a este ambiente”. Um ambiente que, segundo conta, é invadido por uma atmosfera em que se respira a simpatia das pessoas.
Do apartamento de Sheila Chettle, na Encosta do Sol, é possível ver as Berlengas em dias de céu limpo. Também ela, quando chegou às Caldas, sentiu-se como se estivesse em casa. “Afinal os portugueses e os ingleses sempre foram dois povos aliados e muito amigos”, brinca a reformada.
Ao contrário da maioria dos estrangeiros que vivem no Oeste, Sheila Chettle preferiu as Caldas às periferias. Na opinião da inglesa, “é uma opção mais portuguesa” porque os vizinhos são portugueses e no café só se fala português. “Era isto que eu pretendia, nunca quis viver em comunidade com os estrangeiros”, assegura, acrescentando que o facto de viver numa pequena cidade também lhe permite deslocar-se a pé para todo o lado. Para o mercado diário da Praça da Fruta, por exemplo, que lhe faz recordar os mercados de rua de Inglaterra.

Não é só natureza, também é História e cultura

O mar, o clima ameno e a natureza envolvente são factores chave que trazem os estrangeiros à região, mas não são, de longe, os únicos. “Esta parte do país tem tudo, paisagens por lado, cultura e património histórico por outro”, elogia Inge Van Liefland, que gostou especialmente de visitar o Hospital Termal, a fábrica de faianças Rafael Bordalo Pinheiro e o Museu José Malhoa. Sendo holandesa e utilizando a bicicleta no seu dia-a-dia, reconhece a falha: “ainda não visitei o Museu do Ciclismo”.
Os edifícios históricos das Caldas da Rainha e as ruelas coloridas de Óbidos, uma vila que “ganha outro encanto por estar cercada por muralhas”, surgem nas palavras de Sheila Chettle como duas das suas atracções favoritas. Reconhecendo-se “uma grande apreciadora de História”, a inglesa diz que o Oeste é terreno fértil para descobrir lendas históricas.
Também a cultura está acessível em cada canto, seja com o Centro Cultural e Congressos nas Caldas da Rainha, uma sala de espectáculos que Sheila Chettle conhece bem, ou com muitas outras opções próximas da cidade: “basta olhar para a agenda cultural da Gazeta das Caldas e verifica-se que existem quase sempre teatros, concertos, lançamentos de livros ou conferências a acontecer aqui perto”.
E porque a língua também faz parte da cultura, há a preocupação de aprender português. Sem professor, como foi o caso de Sheila Chettler, que ao longo dos 25 anos em Portugal foi aprendendo através dos livros, jornais e “de ouvido”, ou frequentando uma escola, como é exemplo Joüelle e Dominique Poplier, que se inscreveram num curso de português para estrangeiros na Alliance Française. “É importante conhecer a língua para conversar no dia-a-dia com os vizinhos e nos cafés, porque os pequenos diálogos acabam por fazer a diferença na hora de nos integrarmos”, revela Inge Van Liefland, que hoje escreve e-mails integralmente em português.

Cheira bem, cheira à comida portuguesa

À semelhança dos turistas, que levam de Portugal a memória da gastronomia, também os reformados estrangeiros que escolhem este país para viver se deliciam com as iguarias portuguesas. Entre elas, a feijoada, o bacalhau, as sardinhas, o leitão, o arroz doce, o pato. E até o polvo e as lulas, dois moluscos que aos olhos de alguns estrangeiros geram repulsa, mas que à primeira garfada conquistam o paladar.
Na cozinha de Inge Van Liefland, em Salir do Porto, há pratos tipicamente holandeses, outros portugueses, como o bacalhau à Brás, e a mistura dos dois. Já em casa de Joüelle e Dominique Poplier passou a haver sopa todas as noites. “Em França não é comum comer sopa, ganhámos esse hábito em Portugal”, revela o polícia reformado, que elege a sopa da pedra como o melhor dos caldos. Curiosamente, o casal francês que antes se sentava à mesa a hora certa, hoje nem sempre cumpre os horários das refeições franceses. Às vezes, almoça-se às três da tarde.

Portugal é mais barato

Fazendo os prós e os contras de se viver em Portugal, os estrangeiros encontram no baixo custo de vida outra vantagem. Tanto em Inglaterra, como na Holanda e em França os preços são mais elevados nos sectores imobiliário, de restauração e alimentação.
Com a sua pensão actual, Sheila Chettle nunca poderia comprar em Inglaterra o apartamento que adquiriu nas Caldas da Rainha. Ou, caso o comprasse, não lhe sobraria muito dinheiro para poder praticar o estilo de vida que aqui vive. “Não poderia ir visitar o meu filho à Austrália com tanta facilidade, nem ir a espectáculos, ou jantar fora tantas vezes”, confirma a inglesa de 85 anos.
Dos únicos produtos que são mais baratos nos supermercados holandeses que nos portugueses são os legumes. Por outro lado, Joüelle e Dominique Poplier notam uma grande diferença nos zeros da conta final do hipermercado. “Aqui os alimentos são muito mais baratos e o melhor é que se mantém a qualidade”, salienta Joüelle Poplier, que elogia o facto das Caldas ser uma cidade com supermercados de origem francesa, como o E. Leclerc.
Em França este casal sentia uma grande instabilidade e pressão fiscal, além de política. “Aquilo que entrava em vigor num ano, podia facilmente ser posto em causa no ano seguinte”, conta Dominique, que sonhava com a vinda para Portugal desde 2006, inicialmente para montar um negócio com a família na área das tecnologias e comunicações. Mas, como diz o ditado, “filhos criados, trabalhos dobrados”, e esse desejo viu-se adiado por sete anos, pois os seus dois filhos não manifestaram o mesmo interesse.
Em particular, os franceses que chegam a Portugal deixam em França uma das principais razões que os leva a abandonar o país: a insegurança. Com o crescimento da extrema-direita no sistema político, Joüelle e Dominique tinham o pressentimento que os ataques terroristas chegariam, mais cedo ou mais tarde. Dois anos depois de terem partido, a redacção do jornal Charlie Hebdo era invadida, um massacre do qual resultaram 12 mortos.

Actividades culturais e convívios

Podem chamá-los de reformados, mas nunca de parados. É que, na sua maioria, os aposentados estrangeiros são bastante activos e têm um dia-a-dia ocupado.
Joüelle Poplier, por exemplo, abraçou a iniciativa “Autour des livres” (À volta dos livros), organizada pela UFE Centro-Oeste (Union des Français à L’Étranger), uma tertúlia literária que decorre nas primeiras quartas-feiras do mês – agora em Óbidos – e que é aberta à comunidade em geral.
“O objectivo é fazer uma troca de livros franceses, discutir sobre eles e, caso as pessoas os dispensem no final, doá-los à biblioteca da Alliance Française”, explica Joüelle, que também esteve na origem da criação da companhia de teatro “Autour des mots” (À volta das palavras), outro projecto da UFE, que actualmente conta com mais de 150 associados na região.
O clube International Ladies das Caldas da Rainha formou-se com 30 pessoas, recorda-se Sheila Chettle, entre inglesas, belgas, francesas, holandesas e alemãs. Hoje, são mais de 100. Encontram-se duas vezes por mês em jantares e almoços convívio no Hotel Internacional, organizam diversos eventos de caridade para angariar fundos para associações locais e viajam juntas, muitas vezes de autocarro, até Lisboa. “Porque é uma cidade com grande oferta cultural e que está próxima das Caldas”, justifica a inglesa, que integra ainda o Coro Sinfónico de Portugal em Torres Novas.
Quem também dá cartas com a voz é Inge Van Liefland, que compõe o coro da igreja de Salir do Porto. No seu leque de actividades inclui-se a participação numa tertúlia com holandeses (que se juntam todas as semanas para falar português e discutir sobre literatura, política e música), num grupo de caminhantes ingleses e num clube de pintura.

“A burocracia é terrível”

No meio de tantos prós, há sempre alguns contras e Portugal não foge à regra. Apesar de todos os pontos positivos, a burocracia, os horários (nalguns casos, a falta deles) e a pouca qualidade dos conteúdos televisivos são os aspectos de que os estrangeiros mais se queixam.
Sete anos foi o tempo que Sheila Chettle tardou até as partilhas do testamento do marido, que faleceu três anos depois de chegar a Portugal, estarem finalmente atribuídas. Por outro lado, dois anos ainda não foram suficientes para que Joüelle e Dominique Poplier legalizassem a sua situação ao nível da carta de condução, por exemplo.
“É muito tempo, são muitos papéis, em Inglaterra os processos resolvem-se mais rápido”, queixa-se Sheila Chettle que, tendo a pontualidade britânica, também se pergunta: “Porque é que os espectáculos que já começam tarde, às nove da noite, ainda se atrasam dez minutos?”. Em Inglaterra, quem não chegar a horas leva com a porta na cara.
Tanto Sheila Chettle como Inge Van Liefland vêm de dois países onde os compromissos não são deixados para tão tarde. Um concerto, por exemplo, tem hora marcada para as 19h00. “O facto da maioria dos espectáculos serem depois das 20h00 já me faz pensar duas vezes em ir ou não ir, porque às 23h00 já estou deitada e às 7h00 levantada”, confessa a holandesa.
Quanto à televisão, Sheila Chettle mantém-na a maior parte do tempo desligada. Não suporta as novelas, muito menos os dez minutos de publicidade que as intervalam. É que a BBC, canal público do Reino Unido, nem sequer permite anúncios.

Ficar ou regressar?

Deste lado, o único motivo que os faz repensar na hipótese de regressar ao  seu país é a família. Irmãos, filhos e netos, de quem matam as saudades diariamente através das novas tecnologias, como o Skype e o Facebook.
“Quando penso em voltar para Inglaterra, a verdade é que chego sempre à conclusão que agora a minha casa é aqui”, diz Sheila Chettle, que este ano celebrou o Natal em casa de uma amiga, em Valado de Santa Quitéria, ficando responsável por levar o Pudim de Natal, a sua especialidade. À semelhança de Sheilla Chettle, também Joüelle e Dominique Poplier comemoraram o dia 25 em Portugal, no Nadadouro.
Na família de Inge Van Liefland, o Natal é celebrado ora na Holanda ora em Salir do Porto. “Eles adoram esta região, vêm cá muito na Primavera e no Outono, que é uma altura do ano em que na Holanda faz muito frio, mas em que Portugal o tempo continua agradável”, conta Inge, que também não pondera voltar à Holanda em breve.

Uma estrutura de apoio aos reformados franceses

Quando chegou a Portugal, em 2008, Jean Pierre Hougas encontrou cerca de uma dezena de casais franceses. Actualmente, o presidente da UFE Centro-Oeste (Union des Français à L’étranger) conta com cerca de 150 sócios da associação, garantindo que todas as semanas chegam novos casais.“Fogem da França por causa da insegurança, da pressão fiscal, da instabilidade política e pelo facto do sistema político beneficiar os estrangeiros e imigrantes e não os próprios franceses”, revela o responsável, que assegura a todos os recém-chegados uma estrutura de apoio.
Em contacto directo com os presidentes das juntas de freguesia, com imobiliárias e advogados, Jean Pierre Hougas garante que os franceses são ajudados na hora de encontrar casa, fazer o registo na Segurança Social ou actualizar a matrícula do carro. “Depois, se há algum problema no dia-a-dia, com o aquecimento da casa, por exemplo, existe um passa a palavra muito grande e facilmente alguém recomenda um técnico”, explica o presidente, que também organiza almoços mensais, actividades culturais e eventos de celebração de datas festivas francesas para os associados. Estes, informados estão também sobre as festas, eventos e iniciativas que decorrem na região.
Ao nível da comunidade francófona, que inclui belgas, luxemburgueses e suíços, Jean Pierre Hougas estima que já sejam mais de 500 pessoas a viver no Oeste.

 

2 COMENTÁRIOS

  1. Tudo isso e muito bonito mas quando vierem as doencas fogem todos , eu regressei apos 49 anos en FRANCA fiquei un ano vendi tudo e regressei novamento para FRANCA. Portugal esta 30 anos atrasado esta ao nivel romenia, polonha,grecia, e mais alguns