«Lances de Poesia» de Pedro Gomes

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O subtítulo deste livro (Futebol não se aprende, sente-se em cada lance) sugere que o seu autor (Pedro Gomes), hoje treinador e praticante ao longo de 17 anos no Sporting Clube de Portugal, aborda o futebol pelo lado da intuição. Repugna-lhe o uso de expressões dos comentadores televisivos como por exemplo «as segundas bolas». Repugna-lhe também o uso de palavras que são asneiras ditas como se os seus autores fossem catedráticos. E tudo isto num país onde os governos constroem «mais estádios que hospitais» como na página 158. Pedro Gomes escreve para juntar de novo tudo o que a morte separou. E por morte podemos entender a distância, o vazio, o esquecimento. Por isso se inscreve a si mesmo («Se não fosse esta paixão / que começou em criança») e evoca figuras como Vítor Damas («Baliza palco teatro relvado / guião drama comédia dor / novelo de retalhos trabalhado / manta de redes da mar amor») ou Alexandre Baptista: «Davas-me boleia no teu velho Saab / ou eu tinha de ir para o treino a pé». Num livro de 217 páginas são múltiplos os motivos de interesse para o leitor. Juntando o sangue pisado da vida ao peso do estilo, os poemas viajam em Portugal e no Mundo, entre o Passado e o Presente, entre a Memória e o Futuro. O arco dessa viagem não se esgota no futebol pois inclui também o ciclismo e o atletismo, a ginástica e a natação entre outras modalidades. Há no livro poemas a formar um altar privado onde o autor coloca Eusébio, Pelé, Cristiano Ronaldo, Maradona, Figo, Quaresma, George Best, Bobby Charlton, Johan Cruyff, Denis Law, Didi, Garrincha, Ronaldinho Gaúcho, Yachine, Zinedine Zidane ou a «Laranja Mecânica» holandesa. Os poemas deste livro não se limitam a cantar estrelas mundiais que o autor admira, eles sabem repudiar com todas as letras os Hooligans: «Chauvinistas racistas / cabeças vazias rapadas / vândalos extremistas / mentes embriagadas / Violência droga álcool / brutos bestas calhaus / escumalha do Futebol / feios porcos e maus». Outro aspecto tem a com a subtileza de inscrever uma memória (Martins, o sexto violino) num poema dedicado a Abrantes Mendes. Curiosa é a forma como o autor invoca um anterior praticante no mesmo lugar da equipa (defesa direito), Manuel Caldeira: «só sei que durante o jogo ao Domingo / sentia que alguém me ensinava a jogar». Entre as páginas 29 a 51 surge o conjunto «Lances de uma equipa» constituído por um grupo de poemas, um para cada lugar, desde o guarda-redes ao extremo-esquerdo. Bastaria esse conjunto para recomendar o volume como exemplar e digno de leitura atenta. Depois de três livros anteriores em prosa, este novo livro é uma estreia de Pedro Gomes em poesia e vale a pena. Não se trata de mais um livro. No seu conteúdo existe a memória de um trajecto, memória expressa numa voz límpida, incisiva e eficaz.
(Capa: Nuno Pedro Silva Gomes, Título: Fernando Pedro Silva Gomes)

José do Carmo Francisco