Em Abril, diferenças mil.

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Passou mais um aniversário do 25 de Abril. Lembro-me de ouvir dizer, quando passaram 18 anos sobre a Revolução do Cravos, que a nossa democracia estava a entrar na maioridade. É engraçado esta mania que temos de dar aos fenómenos sociais certas características humanas. Nesse sentido, podíamos dizer que a nossa democracia estaria na ternura dos quarenta: o novo Presidente da República iniciou um mandato em que a palavra-chave é o afeto; os partidos de extrema-esquerda abandonaram a luta por uma sociedade sem classes e uniram-se para viabilizar um governo a troco do controlo, em termos sindicais, de setores importantes da economia; enquanto isso, nas Caldas da Rainha, esses mesmos partidos aceitam até juntarem-se à direita para enfrentar o PSD, enfi m… A verdade é que neste ano, em que se celebram 42 anos sobre a revolução que marcou o início da transição para a democracia em Portugal, já assistimos a tantas coisas novas que, em vez da ternura dos quarenta, julgo que o nosso regime está a passar por uma precoce crise de meia-idade. São essas diferenças que vimos neste ano que nos mostram que, apesar de tudo, ainda há muito caminho a percorrer neste processo democrático. Se não, vejamos: De um momento para o outro, passou a ser normal que possa ser o partido que perdeu as eleições a formar governo. Passadas quatro décadas, temos um governo formado por um partido que, tendo perdido as últimas eleições legislativas, ajudou a mandar abaixo o governo democraticamente eleito e aceitou governar sem ir a votos. Por outro lado, nestas quatro décadas, foi a primeira vez que os partidos radicais de esquerda assistiram à cerimónia da tomada de posse de um governo. Das duas uma, ou só vão à cerimónia quando é empossado o governo que eles apoiam ou só vão à cerimónia quando o governo não resulta de eleições. Em qualquer dos casos, não parece muito democrático. Coerentemente com esta nova forma de sentir a democracia, os “Capitães de Abril” lá aceitaram o convite para assistirem, na Assembleia da República, às cerimónias do 25 de Abril. Parece que, agora, só falta aceitarem a democracia que ajudaram a instituir e deixarem essa atitude de meninos mimados, como quem diz que se o Povo não elege quem eles querem, a democracia não vale. A próxima vez que o governo for formado pelo PSD ou mesmo pelo PS sem o apoio do PCP, veremos se isto é a ternura dos quarenta ou se continua a ser uma birra. Nas Caldas da Rainha, como um pouco por todo o país, temos uma nova espécie de políticos. Falo dos que, não conseguindo singrar nos seus partidos, sentiram a tentação de criarem novos partidos. Entraram num partido político por concordarem com os seus ideais mas, como não conseguiam recolher o apoio dos militantes dos próprios partidos, arranjaram novos ideais. No entanto, percebendo a crescente insatisfação popular com a classe política, desistiram de criar um novo partido político e preferiram cavalgar, oportunisticamente, a onda anti partidos para, sob a capa de movimentos independentes, poderem dizer às pessoas que são diferentes e que merecem o seu voto e a sua confi ança. Agora que os caldenses perceberam que, afi nal, era só uma roupagem diferente e deixaram de aderir às suas iniciativas, queixam-se de que as pessoas não aparecem porque estão com medo. Mas isto… isto sou só eu a pensar. O que é engraçado é que aqueles que se arrogam como donos de Abril sejam os mesmos que parece que só vêem gaivotas em terra quando um homem se põe a pensar. Vejam bem…

Jorge Varela

jorge.varela@ipleiria.pt