Caldas e Óbidos com visões opostas sobre o papel das empresas municipais

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Fernando Costa
O presidente da Câmara das Caldas diz que as empresas municipais servem para colocar os amigos. E o responsável da Óbidos Patrimonium diz que as associações são “barrigas de aluguer”

A polémica não é nova, mas conheceu novos contornos recentemente. Devem ou não ser extintas as empresas municipais? São várias as vozes do PSD que têm insistido no fim destas estruturas, mas a verdade é que o voto da bancada social-democrata na Assembleia da República ajudou a chumbar, no princípio desta semana, a proposta dos bloquistas nesse sentido.
O presidente da Câmara das Caldas, Fernando Costa, viu evocadas no plenário as afirmações que proferiu há três semanas na televisão, onde defendeu que as empresas municipais só servem para “depauperar o erário municipal”, “fugir ao cumprimento da lei” e “dar emprego aos boys partidários”.

No mapa nacional são as Câmaras laranja que possuem mais empresas municipais (162), uma tendência que se verifica também na região. Alcobaça tem a Terra de Paixão, Nazaré tem a Nazaré Qualifica, Óbidos tem a Óbidos Patrimonium e a Óbidos Requalifica, Cadaval a GesCadaval e Torres Vedras possui a Promotorres.
Caldas da Rainha nunca teve empresas destas. Preferiu apostar nas associações para gerir os equipamentos públicos. E para isso conta com a Associação de Desenvolvimento Industrial do Oeste (ADIO), a Associação para o Desenvolvimento da Juventude das Caldas da Rainha (ADJ) e a Associação para o Desenvolvimento do Ciclismo (ADC). Discute agora a criação de mais uma – a CulturCaldas, para gerir o CCC.
Se noutros concelhos a questão tem sido mais ou menos pacífica, Caldas e Óbidos têm há muito tempo posições contrárias. O presidente da autarquia caldense, Fernando Costa, sempre foi um crítico das empresas municipais. O autarca diz que estas são constituídas por dinheiros públicos municipais e as suas responsabilidades financeiras são exclusivas das autarquias, pelo que os seus “défices têm de ser suportados pelas próprias [Câmaras] e contam para o endividamento das mesmas”.
Considera-as, por isso, “serviços paralelos aos serviços existentes”, o que implica uma duplicação de estruturas e de funcionários municipais. Na verdade, conclui, trata-se de novas entidades jurídicas, com instalações, logística, carros, telefones e outros equipamentos próprios.
Fernando Costa critica ainda as empresas municipais por terem administrações autónomas, normalmente fora dos quadros municipais e com remunerações idênticas ou superiores às do presidente da Câmara e dos vereadores. “São entidades geradoras de despesa pública, até há pouco fora do controlo do Tribunal de Contas e quantas vezes fora do controle da Câmara e dos partidos da oposição”, diz.
O que o autarca defende são as associações. A Câmara das Caldas possui três. Constituídas em parceria com institutos públicos, serviços do Estado e associações privadas, estas têm por objecto a prossecução de fins que não são exclusivos do município e não têm fins lucrativos. “Logo têm menos despesas, nomeadamente porque as administrações não têm vencimento”, defende, acrescentando que a autonomia financeira as torna exclusivamente responsáveis.
“Os sócios não têm que suportar as dívidas e o endividamento não se repercute na estrutura dos associados”, salienta.
Dando o exemplo da Expoeste e do Museu de Ciclismo, Fernando Costa explica que têm um funcionamento autónomo, mas que é participado e fiscalizado por todos os sócios.

“As associações são barrigas de aluguer”

Do outro lado da barricada, José Parreira, administrador da Óbidos Patrimonium, defende que as empresas municipais são um veículo mais agilizador de procedimento. Mas considera que devem seguir “à risca” tudo aquilo a que as Câmaras também são obrigadas.
Estas justificam-se em Óbidos porque têm uma acção focalizada em áreas específicas às quais uma Câmara no seu dia a dia tem “dificuldade em dar prioridade”. E os ganhos são muitos, na opinião de José Parreira, destacando que a empresa municipal obidense tem um orçamento em que apenas um terço é financiado pela autarquia. A Obidos Patrimonium tem “capacidade de criar mais receitas, tem uma componente importante para a comunidade local com a realização dos eventos tradicionais, mas também na realização de outros, que são replicadores de riqueza no comércio, hotelaria, e na própria imagem que o concelho tem no exterior”, argumenta.
O responsável reconhece que recentes alterações legislativas ainda vieram tornar mais rigorosa a gestão destas empresas, resultado de alguns abusos que foram cometidos, como o facto de darem emprego a pessoas do partido ou a amigos.
“Eventualmente há empresas municipais a mais no país e administradores a ganhar muito mais do que deviam”, diz, confirmando que até há pouco tempo, noutros locais, havia administradores a ganhar mais do que o presidente da Câmara.
De acordo com José Parreira, a Óbidos Patrimonium não tem dívidas a bancos, apenas as de gestão corrente, nomeadamente a fornecedores e que neste momento, andam a ser pagas a 90 e a 120 dias. A comparticipação da Câmara tem-se mantido nos últimos anos, mas em 2011 vai sofrer um corte.
“Por cada contratualização fazemos um acordo de pagamentos, pelo que os prazos são acordados em casos concretos”, explica, destacando que a conjuntura actual leva a que também tenham dificuldades em receber das entidades que lhes devem.
Com 65 funcionários, dos quais 24 efectivos e 41 contratados, aquela empresa municipal tem conseguido “gerar emprego local e receitas para as entidades do concelho e na região”, refere o seu responsável. José Parreira diz mesmo que, por vezes, os concelhos próximos têm beneficiado da sua actuação, mesmo os que “criticam e não compreendem a importância destas entidades que, se calhar, não se justificam noutros concelhos porque têm outras estratégias e uma gestão diferente”, disse, referindo-se às afirmações públicas de Fernando Costa.
O responsável considera que há autarquias onde não se justifica a criação de empresas municipais e outras que “não querem criá-las porque estas são obrigadas a respeitar determinado tipo de princípios e valores que não são partilhados por determinados autarcas”, como o escrutínio pelas Finanças e pelo Tribunal de Contas. Ou seja, conclui, este tipo de empresas são mais transparentes do que as associações.
José Parreira diz que muitas vezes são criticados por pessoas que “não têm autoridade moral” para falar porque os veículos que escolheram para fazer a sua gestão “não são transparentes, como é o caso das associações”. Chama-lhes mesmo “associações barriga de aluguer” porque não são escrutinadas e são utilizadas como “expedientes” para aquisição de bens e serviços, contratações de pessoas e não são visadas pelo Tribunal de Contas ou Finanças.
O administrador da Óbidos Patrimónium denuncia ainda que as associações não são controladas e “podem fazer empréstimos e ter dívidas, que não são contabilizados nas dívidas dos municípios”, deixando no ar a questão se não serão os funcionários dessas associações os escolhidos por cartão partidário.

Leirisport no topo dos prejuízos

No distrito de Leiria – e de acordo com o jornal Região de Leiria de 22/10/2010) – a empresa municipal mais deficitária em 2009 foi a Leirisport que totalizou 1,16 milhões de euros de prejuízos. Um valor muito mais elevado do que os escassos 2.468 euros de prejuízos que teve a Marinha Grande com a sua TUMG. Em Ourém, a Ambiourém apresentou um resultado negativo de 1.271 euros. Em contrapartida a Verourém, também daquele concelho, apresentou 1.257 euros de lucros.
A PMUGest, de Pombal, teve lucros de 4.089 euros e a Prazilândia (Castanheira de Pêra) registou 51.127 euros de lucros.

As empresas municipais

Nazaré Qualifica

No final de 2005 era aprovada pela Câmara da Nazaré a empresa municipal Nazaré Qualifica, com o objectivo de desenvolver as actividades económicas do concelho, quer nos sectores tradicionais, quer na inovação empresarial e ambiental. A promoção de eventos culturais, sociais e desportivos que ajudem a dinamizar a economia local são outras missões da empresa.
O actual vice-presidente do Turismo do Oeste, e antigo presidente da Região de Turismo Leiria-Fátima, Luís Miguel Sousinha, preside à empresa, num cargo que não é remunerado. Já o 1º Vogal, Pedro Pisco, e administrador executivo da Nazaré Qualifica, recebe o mesmo que um vereador a tempo inteiro.
José Joaquim Pires, antigo presidente da Associação Comercial, Serviços e Indústria da Nazaré e vereador do PS na autarquia nazarena, recebe, como Vogal Não Executivo, um terço do rendimento auferido pelo vogal executivo. Os membros do conselho de administração são, de resto, os únicos recursos humanos da empresa, que não tem mais trabalhadores.
Nos últimos anos a Nazaré Qualifica tem colaborado com a autarquia na implementação da Área de Localização Empresarial de Valado dos Frades, dinamizado o Programa Finicia e diversas actividades de sensibilização ambiental e energias renováveis e tem promovido o ensino do empreendedorismo nas escolas do concelho, no âmbito do qual se realiza anualmente o Concurso de Escolas Empreendedoras da Nazaré.

Óbidos Patrimonium

A Óbidos Patrimonium, criada em 2004, dedica-se à produção e gestão do programa de eventos de carácter turístico e cultural, gestão dos espaços desportivos e da rede de museus e às políticas de turismo que a Câmara encarrega a empresa de desenvolver.
O conselho de administração é presidido por Humberto Marques (vice-presidente da Câmara de Óbidos) e tem como vogais José Parreira (administrador) e Ricardo Ribeiro (vereador na Câmara de Óbidos). O único que é remunerado é o seu administrador executivo, que recebe 2.609,44 euros mensais.
José Parreira é administrador da empresa desde o ano passado, depois de ter sido, durante dois mandatos, chefe de gabinete do presidente da Câmara.

Obidos Requalifica

Fundada em 2006, a Óbidos Requalifica tinha por objectivo trabalhar para a requalificação urbana da vila, desenvolvimento de projectos ligados às energias alternativas e gestão do parque empresarial.
Actualmente já está a gerir os projectos de requalificação urbana da zona de Óbidos integrada no Plano de Pormenor, o estudo para a requalificação do largo de S. Marcos das Gaeiras, a desenvolver um loteamento urbano na Freguesia de A-dos-Negros e a proceder à requalificação da segunda fase da Zona Industrial.
Foi também da sua responsabilidade a implementação do Parque Tecnológico e está a proceder à comercialização do loteamento Santa Rufina e a acompanhar o Plano de Pormenor da Cova do Bufo.
Tem como presidente do  conselho de administração Pedro Félix (vereador na Câmara de Óbidos) e como vogais Paulo Leandro (administrador) e Rita Zina (vereadora na Câmara de Óbidos).
Paulo Leandro é o administrador da empresa desde o ano passado, auferindo 2.609,44 euros por mês. Formado em gestão informática, foi anteriormente presidente da Junta de Freguesia da Usseira e, entre 2005 a 2009, foi vereador na Câmara de Óbidos.

Terra de Paixão

Constituída no início de 2008, a Terra de Paixão, empresa municipal da autarquia de Alcobaça, foi criada com o objectivo de construir os centros escolares do concelho, tal como anunciou na altura a Câmara Municipal. A “promoção, apoio e desenvolvimento de actividades de carácter cultural, educativo e desportivo do Município de Alcobaça” são as missões expressas no pacto social da entidade e a verdade é que a Mostra de Doces e Licores Conventuais tem sido a única actividade da empresa.
O Conselho de Administração é presidido por Paulo Inácio, presidente da autarquia. A administradora executiva é Mónica Baptista, vereadora da Cultura e da Acção Social da autarquia. O órgão fica completo com o cargo de vogal, atribuído a Carlos Quitério, actual presidente da Assembleia de Freguesia da Benedita. Por desempenharem funções na autarquia, Paulo Inácio e Mónica Baptista não são remunerados pelas suas funções na Terra de Paixão. Já Carlos Quitério tem direito a uma senha de presença no valor de 87,42 euros por cada reunião em que participe.

As associações

ADC

A Associação para o Desenvolvimento do Ciclismo (ADC) foi criada pela autarquia caldense juntamente com a Federação Portuguesa de Ciclismo, Sporting Clube das Caldas, Juntas de Freguesia da cidade e antigos ciclistas de prestígio.
A presidência da direcção é desempenhada pela Câmara Municipal, a assembleia-geral é presidida pela Federação Portuguesa de Ciclismo e o conselho fiscal pelo Sporting Clube das Caldas. O actual presidente da direcção é o vereador Tinta Ferreira, que não recebe qualquer tipo de compensação monetária pelo cargo que exerce.
A ADC tem também como função a dinamização do ciclismo e divulgação da sua história através de acções de promoção da modalidade, recolha de espólio, dinamização de provas desportivas, edições de publicações na área velocipédica, e exposições, colóquios e seminários.
O responsável pelo funcionamento do Museu do Ciclismo é Mário Lino.

ADIO

A Associação de Desenvolvimento Industrial do Oeste (ADIO), foi inicialmente constituída pela Câmara, AIRO, Associação Comercial e Finançoeste, que se associaram para concorrer a fundos comunitários para a construção da Expoeste.
A ADIO é responsável pela gestão do pavilhão de exposições Expoeste e gestão financeira do CCC, sendo que a gestão cultural deste equipamento pertence à vereadora Maria da Conceição Pereira.
A direcção da ADIO é actualmente presidida pelo vereador Hugo Oliveira, que não aufere qualquer verba remuneratória.

ADJ

A Associação para o Desenvolvimento da Juventude das Caldas da Rainha (ADJ) nasceu com o objectivo a dinamizar acções ligadas à juventude através da promoção de eventos de âmbito cultural, desportivo, social e recreativo. Faz também a gestão do Centro da Juventude.
É presidida pelo vereador Hugo Oliveira, que não aufere qualquer vencimento pelo cargo.
A ADJ foi fundada pela autarquia,  Fundação para a Divulgação das Tecnologias de Informação (FDTI) e a Movijovem – Mobilidade Juvenil, Cooperativa de Interesse Público de Responsabilidade Limitada.